Taís tinha um buraco na boca do estômago do tamanho de Ana. Não sabia bem o que fazer com aquilo, mesmo depois de meses sentindo tantas coisas diferentes.
Paulina chorava alto do outro lado do caixão. Segurava um lenço de papel e soluçava como se não admitisse que mais ninguém sentisse sua tristeza.
A família teve o bom senso de enterrar Ana em um caixão fechado. O funcionário da funerária tinha dito para a família que nada que ele fizesse conseguiria disfarçar o estado avançado de putrefação em que o corpo de Ana tinha sido encontrado. Isso sem contar as marcas de mutilação e abuso.
O coveiro jogou a primeira pá de terra fresca sobre o caixão.
– Minha filha! Minha pobre filha!
Paulina gritava. Com as mãos em seus ombros, seu marido olhava o caixão atônito, como um homem morto, incapaz de proteger sua família.
Gabriela esticou a mão para segurar a mão de Taís. Taís a puxou para um abraço. Pela primeira vez em meses, ela finalmente começou a chorar.
– É tudo culpa nossa, Gabi.
Taís soluçava e seu corpo inteiro tremia.
– Se a gente não tivesse panguado e enrolado tanto tempo, a Ana nunca estaria nesse estado.
Gabriela não conseguiu responder. Acariciou as costas da amiga e molhou seu cabelo com as próprias lágrimas.
O som molhado de terra macia caindo sobre madeira se perpetuou pelo cemitério plano. A cada batida, a certeza de que a amiga jamais retornaria se tornava mais palpável.
Depois de estações inteiras, Taís levantou a cabeça do ombro da amiga e secou os olhos com as mãos.
Do outro lado do gramado e atrás das poucas pessoas que sobraram ao redor do caixão estava Antonio.
Parecia deslocado, segurando um bouquet de damas da noite na mão esquerda e compulsivamente fumando um cigarro com a direita.
– Não acredito que ele tá aqui.
Taís soltou Gabriela. Gabriela enxugou os olhos e se virou devagar. Como ele tinha coragem?
As botas de Taís pisavam pesadas sobre a grama verde.
– Como você ousa?
Antonio olhou para o chão.
– Eu a amava muito – disse, baixinho.
Taís sorriu com um lado só da boca. Gabriela veio andando atrás dela com os punhos fechados.
– Você é a pior pessoa do mundo, Antonio. – disse Taís – Você conta uma mentira como se fosse uma verdade.
Taís tomou a mão de Gabriela e a levou para fora do cemitério. Os últimos convidados do enterro retiravam-se devagar. O coveiro apertou a terra sobre o caixão.
Antonio permaneceu sozinho no cemitério com seu cigarro, suas damas da noite e Ana, trancada em uma caixa de madeira a sete palmos do solo, onde Antonio não conseguiria mais tocar nela.
Fazia um lindo dia de sol.
Esse é o capítulo final de Carregue meu Cadáver, o livro que estou escrevendo sobre relacionamentos abusivos. Vou postar um capítulo por dia até acabar.
Adoraria saber sua opinião, então deixe um comentário me dizendo o que achou, divida com quem você acha que vai gostar e me cobre se eu parar de postar.
Obrigada!
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3 comentários:
Cabô..............
Isso foi incrível.
Nossa, visceral
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