7.6.12

Ray Bradbury

O único livro que lembro de ter lido do Bradbury, que morreu ontem, aos 91 anos, foi Fahrenheit 451. Eu sabia que havia um filme do Troufaut, mas queria ler o livro antes. Li recentemente e foi maravilhoso. Uma obra de arte fantástica que reflete tanto os anos 60 quanto continua incrivelmente atual nos dias de hoje. Ainda mais atual. Li, na obra onde os livros não precisam mais existir, o retrato da sociedade contemporânea, mostrando ou que nosso querido autor norte-americano fosse mesmo um visionário ou que a sociedade nunca muda. Pendo mais para a segunda hipótese.

A sociedade retratada é um mundo onde ninguém lê, onde a imagem substitui completamente a palavra, traduzido, em um dos únicos acertos do diretor francês, em um jornal feito inteiramente em quadrinhos. Não sei se jornal de quadrinhos seria um passo para trás, mas notícias feitos inteiramente de fotografias, fotomontagens e infográficos, deixando cada vez menos espaço para a interpretação, talvez o sejam. As casas possuem televisões gigantes. A esposa do personagem principal (de cujos nomes jamais me lembrarei) é uma personagem nouvelle vague absolutamente maravilhosa em seu descaso completo com o mundo, sua paixão pela "família" da TV, seus fones de ouvido constantes e seus remédios para dormir (que Troufaut reciclou, da pior maneira possível, como uma pessoa simplesmente blasé, mas amável e preocupada com o marido de qualquer modo). Ela insiste em instalar a quarta parede, cobrindo todo o espaço possível com realidade artificial. Em tempos de aparelhos televisivos cada vez maiores e menos perceptíveis, transformando salas de estar em pequenos cinemas particulares, perfeitos para a evasão para mundos fantásticos sem o menor esforço, nada é mais atual.

Há alguns anos, fiz uma matéria de Sociologia da Comunição, uma disciplina das Ciências Sociais. Fiz meu trabalho final acerca da televisão 3D, novidade tecnológica máxima na época. Apesar de a maioria dos alunos ter entendido plenamente quando o professor, curador da Bienal de Arte de São Paulo,  afirmou só gostar de "arte contemporânea boa", seja lá o que isso queira dizer, os alunos do lado de lá, tão engajados em rádios livres e mostras de cinema "de luta", ficaram bastante intrigados com o meu desconforto em relação à novidade do mercado, provavelmente porque vivem ainda nos anos 60 e não fazem questão nem de ler seus próprios e-mails.

Eu tenho medo da TV 3D - e continuo militando contra aparelhos em HD até que eles se tornem abosultamente necessários como padrão de mercado - porque acredito, indo contra a escola de Chicago, que as pessoas realmente não sabem distinguir realidade de ficção. Se está na TV, no Brasil, principalmente, é verdade. Que podemos dizer de hologramas que nos falam? Parece tão real, não é mesmo? É tão convincente. O Eduardo Coutinho mostrou as pessoas falando tão bem, sem cortes, como poderíamos negar? O Michael Moore me mostrou todo o horror dos Estados Unidos, como eu poderia sonhar em ir para a Disney agora?

Minha parte preferida, no entanto, foi o discurso do policial chefe de que os livros começaram a ser queimados porque as pessoas queriam. As pessoas pararam de ler por vontade própria,  para não se aborrecerem. Livros ofensivos contra negros, mulheres, judeus, etc, eram aos poucos sendo censurados. Livros ofensivos contra diversos estilos de vida eram censurados, até que todos os livros, já que todas as pessoas possuem pontos de vistas distintas umas das outras, foram censuradas. Para que se lembrar do ódio? É muito mais fácil fingir que nada disso aconteceu. Retratos de épocas piores não deveriam existir. Não vivemos em uma utopia maravilhosa sem preconceitos? Para que ler "O Grande Gatsby" com seu antissemitismo pulgente se podemos simplesmente imaginar que a culpa do Holocausto estava toda em um homem do outro lado do Oceano?

Restringe-se a comunicação e, consequentemente, as idéias, simplesmente censurando-as. É preciso ler. Ler livros, ler filmes, ler obras de arte, ler a televisão. É preciso lembrar. Bradbury nos mostra uma época onde as pessoas preferem não pensar. O Alckim é um monstro totalitário, o PSDB quer matar todos os pobres do Brasil, mas o PT é maravilhoso, elegendo sempre minorias para nos governar com competência e sem falha alguma.

Dizem que a TV é a vida, ao passo que o cinema é a morte, sendo que a TV continua para sempre, em seus fluxos infindáveis, mesmo às madrugadas onde vemos jóias à venda ou aos domingos onde assistimos casais de celebridades se superando em competições físicas ou programas de namoro. A TV estará sempre lá, com excesso de informação e barulhos o suficiente para impedir que consigamos pensar.

No finalzinho do livro, completamente ignorado por Troufaut (o que me fez perder a vontade de ver qualquer um de seus outros filmes), quando a cidade é destruída por uma guerra nuclear, somos apresentados a um delírio do personagem principal que vê sua esposa, sozinha em casa, quando as emissoras de TV param de funcionar. Apagadas, as enormes telas em todas as paredes tornam-se espelhos, revelando o que a gente esquecia. Ela se olha, pela primeira vez em anos. Forçada a se ver, sem o advento maravilhoso do fluxo de imagens e sons para se distrair, ela se vê, finalmente. Morre gritando, horrorizada pelo que finalmente consegue enxergar.

Ela sou eu. Ela é você. Ela é todos nós que nos escondemos atrás de uma tela de uma máquina, ignorando o dia em que a internet vai cair e não teremos seriados da HBO ou filmes europeus ou livros de poesia ou papel e caneta o suficiente para nos distrair enquanto ela não voltar.

4.6.12

Cellistas finlandeses

Eu estava meio desacreditada que ia acontecer. Comprei o ingresso do show do Apocalyptica em Abril e mandei entregar na casa da minha tia em São Paulo, que era mais garantido de o correio entregar que na roça daqui de casa. Esperei o mês inteiro e não chegou. Me mandaram pegar o convite na porta. Fui com medo de não conseguir entrar. Ia de carona, acabei indo com ônibus de excursão. Combinei de encontrar uma amiga minha da internet de muitos anos, super fã, por lá. Descobri que ela havia chegado às oito horas da manhã, viu a banda chegar de van e estava na grade. Eu cheguei às cinco, sendo que o show começaria às sete, consegui pegar meu convite depois de minutos de apreensão em que ninguém aparecia na bilheteria (ganhei um convite de cortesia, que era vermelho em vez de azul), fiquei uns minutos tentando me comunicar com a amiga e consegui me espremer até chegar pertinho da grade. Estava morrendo de sede, mas não queria sair de lá e perder meu lugar.

O Carioca Club é uma casa de shows engraçada. Entrando no site deles vi que tinha show do Calcinha Preta em um dia e do Dimmu Borgir no outro fim de semana. O logo é todo colorido e o cabeçalho do site tem fotos de bandas de forró. Mesmo assim, vi uma dúzia de dias reservados para bandas de metal do leste europeu bem pesado. Depois descobri que um amigo meu tinha ido em um show do Curumim no mesmo lugar. Ah!, as casas de eventos pequenas que aceitam qualquer coisa. Mas é legal, é bonito, vende bebida, o palco é grande, cabe muita gente, a pista é curta, então todo mundo assiste o show igual, até quem está no camarote. Então, depois de duas horas em pé esperando e ouvindo o adolescente atrás de mim descobrir ser muito mais daltônico do que ele pensava (o que me divertiu, já que a amiga da grade estava meio longe e não dava pra conversar), eles chegaram.

E foi lindo. E mágico. E eles são de verdade. E lindos. E o som é muito mais pesado e maravilhoso ao vivo. Quero vê-los sempre, sempre, sempre. E quero levar todo mundo que eu conheço porque a experiência é maravilhosa. Foi quase sexual. Vocês não têm idéia de como 3 cellos são sexies. Como uma guitarra nunca vai ser. E quando eles tocaram Nothing Else Matters e o público todo começou a cantar, até chorei um pouquinho. Aparte de eles não terem tocado Somewhere Around Nothing, minha música preferida, eu ter confundido as música tudo, a noite foi perfeita.




O coturno, ainda novo, deixou meus tornozelos em carne viva. Fiquei surda por alguns instantes por ter ficado muito perto das caixas de som, minha garganta está raspando de tanto gritar e meu pescoço está doendo até agora porque o palco era quase do meu tamanho e eles tocaram Refuse/Resist. Mas ver show da grade em ambientes pequenos é fantástico.

Percebi, no meio do show, que eu, gênia, tinha esquecido o cartão de memória da câmera enfiado no notebook que estava lindamente em cima da minha escrivaninha. Tudo bem, me contentei com as 10 fotos que tirei, de qualidade terrível, mostrando os caras de pertinho - sem zoom! De Perttinho, né? (hihihi) Curti o resto do show numa boa. Chegando em casa, resolvi passar as fotos da memória da câmera pro cartão. Porque eu comprei a câmera no freeshop do Chile, todas as opções estavam em espanhol. Eu juro que não tinha percebido isso até ontem. Bem que eu vi que tudo estava muito mais difícil de achar que o normal. E aí, fuçando, achei uma função que parecia querer dizer o que eu queria. Quando fui ver as fotos, a câmera me disse que não tinha nenhuma. Não entendi. Passei a língua para o português.

Vocês sabem o que eu fiz, senhoras e senhores, com as fotos dos músicas de pertinho para fazer inveja a todos os meus amiguinhos? Vocês sabem?

Eu formatei. Formatei a porra da câmera.





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Mas eu já consegui recuperar as fotos. Então ficam só os 15 minutos de pânico.