24.2.10

aristocrata. grã-fina. daquelas tão finas e demodês que usam estolas de pele com cabeças de animaizinhos mortos penduradas em seus ombros e penachos nas cabeças. gorda de ostentação. viveu todos os seus dias de seus sessenta e poucos anos parasitando a fortuna conquistada ainda pelo avô. pouco ligava para o politicamente correto, afinal, o dinheiro comprava todas as suas facilidades e não era questionada por ninguém.

em seu enorme palácio cercado de empregados, havia um cômodo dedicado unicamente para seu pequeno schnauzer cinzento que a acompanhava desde a terceira viuvês. chamava seu nome com sua voz de soprano lírico dramático adquirida nas aulas de canto da adolescência:

- trotskiiii!!

e o cachorro vinha feliz, saltitante e com a língua para fora, pronto para receber biscoitos de sabores artificiais, banhos de perfumes franceses ou simplesmente afagos infinitos.

não conhecia a origem do nome do cachorro. achava que era um tipo de biscoito delicioso que experimentou certa vez no maravilhosamente lindo museu de tesouro do czar em são petesburgo. e gostou da forma como o nome soava.

15.2.10

era perfeito. simpático, inteligente, o primeiro da turma e podia conversar sobre qualquer coisa com qualquer pessoa. bem informado, bem educado. lindíssimo. tocava violão e guitarra numa banda de free jazz. tinha muitos amigos, alguns muito bons e outros muito especiais. boa relação com os pais. adorava animais e crianças. gostava de cinema e lia bons livros. tinha uma namorada bonita e simpática. era um amigo presente, um filho carinhoso e um namorado solícito. tinha todas as qualidades do mundo. e quando chegava em casa sozinho se masturbava olhando fotos de sapatos de bico fino.

10.2.10

saudável. esse era seu lema. preservar-se para a velhice. folhas verdes, frutas, chá antioxidante. açúcar? nunca. aspartame? jamais. vivia do amargo. não ingerie chocolate de qualquer espécie desde os 12 anos. dois litros de água por dia. álcool apenas em produtos de limpeza. mantinha-se longe do cigarro ou de fumaça de qualquer tipo. tinha que manter a pele. filtro solar fator 15 todos os dias no rosto, nos braços e no colo, dependendo do que ia mostrar. desta maneira mantinha-sebronzeada e protegida dos raios ultra-violtera simultaneamente. um creme anti-rugas ao acordar e outro antes de dormir, a partir dos 15 anos. creme hidrantante no corpo todo, todos os dias. drenagem linfática uma vez por mês. limpeza de pele caseira com mel e açúcar uma vez por semana. academia três vezes por semana. Não cruzava as pernas para não causar varizes. só tomava banho em água fria. mesmo no inverno. dormia cedo e acordava cedo - sempre - para impedir olheiras. shampoo, condicionador e creme nos cabelos todos os dias. passava longe da tintura. sob hipótese alguma dormia maquiada. não usava salto alto ou bolsa pendurada em apenas um ombro para manter a postura. evitava trabalhos manuais que ressecassem as mãos. ou aqueles que dão calos. chorava ao perceber uma nova cicatriz.

se cuida tanto para quê?, perguntavam. para a velhice, respondia, orgulhosa.

parecia uma boneca. daquelas de porcelana. que ficam sempre na prateleira, penduradas na parede.