Depois de esconder seu novo presente, evitando os olhares dos Reis, a Princesa preparava-se para dormir em sua cama de casal com cortinas de cetim transparentes.
Passaram-se quatro horas com aqueles olhos novos e nada ainda havia acontecido. A
surpresa, no entanto, veio no momento em que fechou os olhos, com a cabeça recostada no travesseiro macio.
Via, como se um projetor estivesse funcionando dentro de sua cabeça, em suas pálpebras fechadas imagens horríveis de coisas das quais não lembrava. Sabás satânicos – com orgias e feitiçaria mal-intencionada -, destruição, guerras, podridão e morte.
Abriu os olhos imediatamente, assustada, com o corpo todo tremendo e suando frio. Pesadelos? Mas eram tão reais... Tão terrivelmente e escancaradamente reais...
Chorou sozinha e baixinho, sem ousar fechar os olhos, até que adormeceu, dando vida a novos pesadelos horrorosos.
— Parece abatida, minha ama – perguntou a dama de companhia na manhã seguinte, vendo o desânimo da Princesa, enquanto penteava-lhe os cabelos.
— Tive sonhos horríveis, Eufrisie – respondeu – Pesadelos a noite toda.
Eufrisie olhou para o rosto da ama no espelho e viu que seus olhos estavam diferentes. Estavam...
— Azuis! – exclamou a garota, eufórica – Como conseguiu, aminha? Que bruxa a enfeitiçou?
A Princesa esboçou seu primeiro sorriso àquela manhã. O mesmo sorriso sincero de todos os dias.
— Eu não sei o nome dela. A encontrei do outro lado do labirinto. E parecia ser muito poderosa. Trocou nossos olhos! E eu ganhei estes olhos azuis lindos! Veja!
— Trocou seus olhos? – assustou-se a outra, cessando abruptamente o escovar dos cabelos da ama – Não os pintou, apenas?
— Não. Mas o que interessa o que ela fez? – o sorriso da menina fazia-se ainda mais largo – Funcionou, não? E, Eufrisie, sua preguiçosa!, volte a arrumar meu penteado!
Eufrisie não continuou.
— Você sabe o que dizem sobre olhos, não? – ela estava muito séria.
— Que são a janela da alma? – desdenhou a outra.
— Sim, ama, mas sabe o que isso significa? – ficava nervosa a cada palavra.
— Não, Eufrisie! – agora a Princesa ficava nervosa e agressiva, com curiosidade e medo do que poderia ouvir em seguida – Diga logo!
— Os olhos... Nos olhos são guardadas todas as recordações que tivemos em vida. Tudo que vemos durante o dia e a noite vai para nossos olhos. Eles ficam guardados lá e sempre que fechamos os olhos revemos as memórias mais marcantes. E se você trocou de olhos com uma bruxa...
— ...Essa é a fonte dos meus pesadelos!!
A Princesa agarrou os ombros da criada e a sacudiu desesperada:
— Temos que pegar meus olhos de volta!!
E as duas correram apressadamente – sem terem terminado o penteado da Princesa que, pela primeira vez na vida, usou os cabelos soltos – até a câmara do Rei, onde ele bebericava seu chá da manhã de cálices respeitosos de cima de seu trono de madeira clara e trabalhada, com estofados de veludo vermelho. Ambas ajoelharam-se em presença real. Em seguida, a Princesa contou sua história. O Rei ouviu a tudo passivamente, pensando, com seu dedo indicador esfregando o queixo que o dedão segurava. Ao final da narrativa da filha, ele disse apenas, com sua voz profunda e calmante como a morte:
— A que feiticeira se refere?
— Eu já lhe disse, papai, não sei o seu nome.
O Rei, então, pediu que a princesa a descrevesse. Ouviu a descrição, no entanto, impassivamente.
— Fala de Hecate, Aquela Que Destrói Reinos E Mundos Inteiros Com Um Movimento Rápido Da Mão?
De repente a Princesa deu-se conta do tamanho do erro que havia cometido. Começou a chorar copiosamente (com cuidado para não fechar os olhos) e pedir – “por tudo que é de mais sagrado e de mais valor neste castelo!” - que conseguissem seus olhos de volta.
Eles bem que tentaram. Mas o apelido da bruxa não havia sido dado em vão. Ela era muito difícil de apanhar e aprisionar, o que gerou o saldo de um exército real inteiro e vários heróis e mercenários mortos – de muitas formas bizarras -, enquanto a bruxa continuava intacta.
[continua...]
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Obs: Está ficando bem maior do que eu pensei que ficaria...
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