31.1.08

Essa é para todas as pessoas que, como eu, sempre quiseram olhos claros.

Olhos de Topázio


Era uma vez uma Princesa muito bonita que tinha olhos castanhos. Ela não gostava de seus olhos castanhos, no entanto, e queria olhos azuis. Queria que refletissem o céu e o mar. Seus olhos castanhos refletiam apenas a terra. E a terra não fazia sonhar.

Sendo Princesa, ela tinha acesso a tudo. Seus pais, o Rei e a Rainha, chamavam feiticeiras, magos, curandeiros e até artistas para tentarem mudar a cor dos íris de sua filha. Nada, porém, funcionava.

Durante certo entardecer, passeava pelos jardins de seu catelo, como fazia em todos os entardeceres. Caminhava calmamente. Os jardins do castelo formavam um enorme labirinto, com arbustos altos e espinhosos, feitos para conter possíveis ladrões e outros malfeitores. A Princesa, claro, julgava-se esperta enquanto fazia o caminho inverso do labirinto, tentando alcançar a saída. Fazia isso em todos os entardeceres, mas nunca alcançava o final.

Esta foi a primeira vez.

Do lado de fora do labirinto, coberta por uma espessa névoa branca que rodopiava com o vento, estava sentada uma bruxa. Ela era diferente das bruxas que adentravam o castelo a mando dos Reis – altas, esbeltas, jovens e belas. Esta bruxa era corcunda, raquítica, velha e feiosa. Tinha as feições tortas, de uma maneira que o rosto parecia uma lua minguante entre a aba do chapéu e o queixo pontudo, e as roupas – em muitas camadas, umas sobre as outras – rasgadas. O chapéu pontudo típico do vestuário das bruxas estava torto e gasto e escondia os olhos da velha. Ela exalava um cheiro forte de carne suja, suor, comida e sangue velhas e endurecidas pelo tempo – talvez até mesmo podridão.

— Eu sei o que você procura, princesinha – disse ela com os estalos de idosos à beira da morte, caquética.

— Quem é a senhora? – quis saber a Princesa, mais curiosa do que amedrontada.

— Eu sou aquela que pode realizar o seu desejo. Só isto basta.

— Não, não é o suficiente. Eu ordeno: quem é a senhora!

— Eu sou aquela que atravessou os desertos do início dos tempos. Sou aquela que adentrou em vulcões para salvar a humanidade de perdição. Sou aquela que transformou meninos em heróis, anjos em demônios e heróis em vilões com uma simples palavra, apenas um olhar. Enfeiticei o mundo para que dormisse e o acordei com pragas e maldições. Fiz milagres àqueles que mereciam e torturei aqueles que o mereciam igualmente. Fiz apaixonar os belos pelos feios. Incendiei o ódio por nações. Fiz guerras perpetuarem-se por séculos. Assassinei os cruéis e os humildes. Transformei montanhas em pradaria, mares em desertos, árvores frutíferas em galhos secos. Eu sou aquela que muda o mundo com apenas um estalo de dedos.

Ao ver o recuo da Princesa, a feiticeira completou:

— Eu sou aquela que pode pintar seus olhos de azul.

Os olhos castanhos da Princesa reluziam, estáticos, de emoção crescente, enquanto dizia, simplesmente “como?” entre as mãos dobradas próximas à boca, os nós dos dedos encostados aos lábios.

A bruxa removeu o chapéu com um gesto surpreendentemente rápido para sua aparente fraqueza, revelando cabelos de um cinza sujo, mais sujos que suas roupas, anelados de uma forma desordenada. Sob os cabelos, no entanto, estavam dois olhos de um azul claro, límpido e brilhantes como topázios. Eram a única parte que parecia realmente viva do corpo da bruxa, como se ela fosse um amontoado de panos velhos e sujos cobrindo duas borboletas. Os olhos brilhavam com uma inquietação louca, transmitindo a vontade de saírem do amontoado de tecidos.

— Eu sou capaz de trocar meus olhos inteiros pelos seus – disse a velha, repondo seu chapéus, tirando suas lindas jóias de vista.

— Não pintaria meus olhos.

— Não pintaria seus olhos. Trocaria. Os meus olhos pelos seus. Tão simples.

Sem hesitar um minuto sequer, gananciosa, a Princesa pediu que trocassem rapidamente de olhos.

As bruxa então apertou o rosto para que os olhos saíssem. Eles pularam para fora das caçapas como frutas maduras fariam se puxadas de seus ramos. Segurou as órbitas leitosas nas mãos calejadas e enrugadas, com unhas compridas e grossas pelo tempo. Pediu que a princesa os segurasse. Olhos tinham consistência estranha, gelatinosa. Estavam frios. Então a bruxa retirou os olhos da Princesa e encaixou-os em seu próprio crânio. Em seguida inseriu os olhos azuis no rosto da menina.

A troca estava feita. Ou quase.

A Princesa piscou algumas vezes, certificando-se da veracidade de seus novos olhos. Sorriu apenas quando viu que a feiticeira agora possuía os seus velhos olhos castanhos.

— Não sorria tão cedo, princesinha – advertiu a velha, gravemente – Você sabe que a nossa troca não será desfeita se você mostrar algum sinal de arrependimento. Terá que agüentar as conseqüências - e haverão conseqüências -, as mais terríveis que forem.

A Princesa aceitou esse tratado com um aceno de cabeça e, sem desviar o novo olhar, correu de volta para o castelo.

Já estava tarde. Seus pais estariam preocupados.

[continua...]

30.1.08


H

oje eu levei minha irmãzinha no aeroporto pra ela ficar seis meses entre mercados persas, homens bombas e matza balls (isto é um prato típico). Eu prometi pra ela que eu não choraria na frente dela. Mas eu não consegui. São seis meses, pô!

22.1.08

Meu Nome Não É Johnny lembra Profissão de Risco, com o Johnny Depp por muitos motivos. O primeiro é óbvio, já que ambas as películas contam histórias de traficantes de cocaína. Há também o fato de ambos os protagonistas serem excelentes atores e de suas respectivas esposas serem umas chatas - pra não pôr palavrão no blog. Mas as semelhanças terminam por aí.

Seltom Mello é João Guilherme Estrela, um playboy carioca viciado em drogas que, em função de maus negócios, acaba envolvido no maior esquema de tráfico de drogas do Brasil, com direito a vendas para artistas americanos e entrega na Europa. Observamos uma vida de excessos digna de qualquer playboyzinho viciado, em que João torra todo o dinheiro conseguido com o comércio em mais drogas e coisas supérfluas, esquecendo de pagar contas e deixando seu carro aos frangalhos. Em antítese à sua ascensão no tráfico, sua relação com a esposa Sofia (Cléo Pires, maravilhosa em todos os sentidos), que conheceu antes de se tornar traficante, aos poucos vai esfriando.

A fotografia do filme é maravilhosa, com ótimos efeitos de vídeo caseiro e um colorido especial, apesar da pontinha de filme alternativo. A trilha sonora é outro trunfo do filme. Excelente, ela envolve, aprofundando os sentimentos sentidos pelos personagens em cada cena. Os cortes também foram muito bem colocados a fim de transmitir sentimentos de freneticidade, de excesso ou ainda de tédio.

É interessante assistir à destruição total do protagonista, culminando com a sua prisão. Esse cárcere, no entanto, serve para fazer João crescer e perceber que a vida é muito mais do que drogas. Apesar do comentário em prol da vida, o filme não é clichê e nem se torna chato e existencialista em nenhum momento. O roteiro é uma verdadeira obra de arte.

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sempre me sinto tão inteligente quando faço resenhas.

10.1.08

Fazendo provas em condições adversas

Bom, como eu fiz um monte de vestibulares esse ano, acho que tenho autoridade suficiente para contar tudo de ruim que me aconteceu. E caso eu não tenha, o blog é meu e os "acidentes" aconteceram comigo, então eu vou falar SIM.

É...

Bom, no ano passado eu fiz ENEM numa faculdade no centro de Campinas (o centro de Campinas parece o centro antigo de São Paulo, mas é mais sujo, mais abarrotado de gente - mesmo Campinas sendo beeem menor que São Paulo - e tem uns travestis - exclusividade da cidade). Isso levava a conseqüências como dificuldade de encontrar o lugar, não ter onde estacionar quando finalmente chegasse lá e depois, já lá dentro, ter que fazer prova ouvindo sirenes e buzinas e ofertas de supermercado.

Ano passado, ainda, quando eu fiz UNICAMP, eu fiquei numa sala na PUC daqui. Vocês sabem, né?: PUC, escola particular, banheiros em ordem, carteiras boas e ventilador. Entrei na sala e achei tudo que eu esperava: eu fiquei justamente numa cadeira com estofado! (Todos os outros eram de madeira) Aí a menina do meu lado, que também ganhou uma cadeira macia, comentou que tivemos sorte. Aí, quando comecei a separar minha coisas e apoiei no braço da cadeira, percebi que toda faca realmente tem dois gumes: o braço da cadeira mexia. Agora, quem prestou o vestibular da UNICAMP sabe que a prova é um papelão enorme todo dobrável. Aquele braço que mexia foi o meu fim.

Esse ano, na primeira fase da UNICAMP, eu estava de novo na PUC, desta vez sentada no canto, na parede, onde eu fiz prova batendo o cotovelo na parede. Foi muito tenso.

Durante um dos dias da UNESP, eu levei chocolate, pringels genérico e água. Aí, enquanto eu pensava numa questão, comi uma batata - depois de prender a mão na abertura do tubo. E o sal começou a me incomodar muito, então comi um chocolate, pra passar o gosto. Aí o gosto do chocolate ficou muito forte e incomodava muito mais que o sal. Aí eu resolvi ser esperta e tomar água. Mas eu tomei de um jeito que consegui engasgar e fiquei tossindo por uns 5 minutos. Pelo menos deu pra distrair alguns concorrentes - tomara.

No teste de aptidão da USP - cheio de vídeos, sons estranhos, mensagens subliminares e textos gays sobre sonhos e desejos para o futuro - eu tinha que fazer uns recortes. Bom, vocês não têm obrigação de saber isso porque a maioria de vocês não me conhecem pessoalmente, mas as minhas unhas costumam ter cerca de um centímetro (eu sou uma vagabunda que não faço nada com as mãos a não ser digitar e escrever o dia todo. além disso, eu me acostumei com unhas grandes. e tenho uma preguiça descomunal de lixá-las. esse é meu segredo, meninas, para unhas enormes: preguiça.). Bom, se tem uma coisa impossível de se fazer com unhas grandes, é recortar coisas pequenas. Agora imagina eu, com unhas gigantes, tentando cortas tirinhas curvas menores que minhas unhas. Foi um desastre. Eu quase roí as unhas pra facilitar o processo, mas peguei um nojo fenomal desse hábito depois que parei de fazê-lo, então resolvi ir pelo método difícil. E meu recorte ficou horrível...

6.1.08

Suas vestes rasgadas, sujas, arrastando no chão. Deslizava sobre o deserto, a terra rachada, o sol escaldante. Seus pés machucados, embebidos tanto pelo seu quanto pelo sangue dos outros, latejavam cansados.

Os corpos espalhados, recém-mutilados, seriam, daqui a pouco, símbolo de vitória para outras nações, distantes e ricas, onde a terra é frutífera e o sol agradável. E logo mais os "heróis" de guerra serão empilhados e seus corpos, sem identificação, incinerados.

Ele, cabelos engrenhados, cheios do pó, que flutuava em todo lugar, andava lentamente, rondando os cadáveres, como um urubu. Apalpava aos poucos, sentindo os bolsos, as jaquetas ensangüentadas, à procura de algo de valor. Medalhas, relógios, óculos, sapatos... Às vezes achava algo inútil, como cartas de amor, livros velhos ou fotografias. Levava para a filha, que gostava de sonhar.

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Texto originalmente publicado aqui em 10/09/05. Na verdade é vontade louca de postar e falta do que postar. Aproveitei pra pôr isso porque é um dos meus textos favoritos e acho que ninguém que lê o blog atualmente tenha o lido na sua primeira publicação. Não que eu ache que realmente valha a pena, só pra não ficar cansativo.