23.8.07

Depois de meses, consegui produzir literatura. Se é que lhe valhe a denominação.

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Passou anos com a máscara. Ela tinha um sorriso débil e olhos dorminhocos, prontos para aceitar qualquer comando - como se fosse uma máquina - e chorar quando as coisas não resultavam como havia planejado. Ficou tanto tempo atrás do disfarce que as pessoas que a conheciam antes da máscara não se lembravam mais de como era sem ela.

Certo dia, por um evento favorável em que não precisava mais usar a máscara, tentou tirá-la.

Desamarrou os fios sob os cabelos e puxou a madeira pelas bordas. Sentiu sua pele esticando como se apertassem suas bochechas. Seus lábios, pálpebras, nariz e testa ardiam com o esforço. Era inútil. Estava grudado. Pensou em usar uma faca para tirá-la à força, mas aquilo só iria machucá-la e ela não queria recomeçar com um rosto coberto por chagas.

Então fabricou uma nova máscara. Aquela que desejava ter e que pensava ser por baixo da máscara antiga. Pintou um sorriso arrogante e olhos perversos. Sabia que não iria se arrepender, então colou a máscara nova sobre a antiga.

Passou a andar com imponência. Suas vontades eram realizadas e ela era, finalmente, respeitada.

As pessoas ao redor perceberam a mudança, claro. Cochichavam entre si que preferiam a máscara antiga. Esse cochichos chegaram até ela, como sempre acontece.

A princípio, ficou furiosa e mandou torturar aquelas pessoas. Depois arrependeu-se, percebendo que aqueles que cochichavam eram os que realmente importavam.

Chorou. E as lágrimas ficaram contidas entte o rosto verdadeira e a primeira máscara. A máscara que todos preferiam. Todos menos ela.

Então esculpiu uma nova máscara, mesclando as duas anteriores e colando-a sobre elas.

Não funcionou, entretanto, porque a nova máscara não apagou a lembrança da tortura. isso fez com que ela fosse obrigada a sair da cidade.

No ambiente novo, confrontou novas situações e, para cada caso, uma nova máscara. Todas coladas uma sobre as outras.

Até que, um dia, pelo peso de todas as máscaras, tombou para frente. Seus disfarces foram se descolando até que o último - aquele do sorriso sonso e olhos dorminhocos - arrancou consigo a sua face verdadeira.

Hemorragia.

Quando perguntaram de quem era o corpo, ninguém soube responder ao certo. Cada um conhecia uma máscara.

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