O garoto apenas virou a cabeça, sorriu e continuou correndo entre as sepulturas. Era uma noite agradável e o cemitério era o lugar ideal de o casal encontrar-se, quase ninguém mais ia lá. Os dois gostavam do escuro, de filmes de terror, de sangue de mentira e de rock pesado. Sentiam-se paradoxalmente bem no ambiente lúgubre. Mas nunca haviam ido tão longe. As únicas luzes presentes eram de suas lanternas.
Jorge parou abruptamente, enquanto Mariana alcançava-no. Apontou em frente:
- Olhe - ele disse, com voz doce, como se mostrasse um fenômeno natural a uma criança.
- Nossa! - suspirou, mais por falta de ar da corrida - Que lindo!
À sua frente estava um mausoléu. A construção mais majestosa de todo o cimitério, com anjos e gárgulas e arcos góticos. Era coisa de família, certamente, dos condes da antiga cidade.
- Quer entrar? - perguntou Jorge, docemente, como que oferece balas à criança.
- Quero.
Juntos, se completavam, mas Mariana não sabia quase nada dele. Se conheciam há pouco tempo e ele era muito enigmático.
Adentraram a tumba.
- Antes de mais nada, Mari, queria dizer que te amo.
- Que isso? Pensa que vamos morrer?
Jorge deu-lhe um sorriso misterioso, que a namorada não conseguiu traduzir como nada.
O lado de dentro era ainda mais bonito que o lado de fora. Havia velas desgastadas sobre candelabros muito esculpidos com formas arredondadas e detalhes marcantes. Existia um número enorme de túmulos, a família era numerosa.
Jorge pôs as mãos nos ombros de Mariana, massageando-a por trás. Elas estavam frias. Jorge sempre estava frio. Ele puxou-a para perto de si, beijou seu pescoço:
- Veja os nomes. É por isso que viemos ao cimitério.
Ela andou aos poucos, observando as datas esculpidas nas lápides, os nomes curiosos, o brasão imponente da família, as fotografias envelhecidas.
- Estranho como a família acabou. Robesberrie. Nome bonito.
- Coisas boas sempre acabam cedo demais. Estavam começando a enriquecer, a ganhar poder, a espalhar-se, como dá pra perceber. Havia 50 Robesberrie na nobreza naquela época. Foram todos envenenados.
- Por invejosos?
- Sim.
Jorge estava afastado, sua voz grave, diferente de como estava nos momentos anteriores.
- Lenda urbana? - a garota perguntou curiosa. O outro fez que sim com um gesto discreto da cabeça - Nunca ouvi.
- Os habitantes desta cidade não fazem idéia dos tesouros que guarda. Como você.
Mariana corou. Olhou rapidamente para uma sepultura qualquer.
- Olha! "Jorge Robesberrie"! Como você.
Jorge sorriu atrás dela e aproximou-se alguns passos.
- Ele naceu em 1850 e morreu em 1868. Nossa, não sabia que nossa cidadezinha era tão velha.
- Era grandiosa. Dizem que a cidade morreu junto aos Robesberrie.
- Uhh... - fez Mari, divertindo-se - "A Maldição dos Robesberrie". Nome de filme B.
Jorge aproximou-se mais.
- Ele tinha só 18 anos. Tadinho, tão novinho... Nossa idade - pausou um pouco - Imagina morrer agora?
- Imagina... - o garoto andava lentamente, passando pelos sepulcros, criando caminhozinhos entre o pó com seus dedos.
- Ele tem o mesmo aniversário que você também.
Parou por um instante. Eram muitas semelhanças. Pousou os olhos sobre a gravura. Soltou um gritinho, derrubou a lanterna e levou a mão à boca. Era Jorge!
Mari sentiu as mãos geladas em seu quadril, sob a blusa e subindo lentamente seu braço. Ela tremeu. Fechando os olhos, tentando desvendar o que eram aquelas sensações, pensou consigo: "mortos-vivos só existem em filmes de terror"
- Descobriu agora? - sussurou Jorge ao ouvido da garota estática, sua mão no cabelo dela, puxando-a pela nuca para si.
A garota abriu os olhos.
- O que você quwer comigo? - perguntou, trêmula.
- Você. Para sempre.
- Não!
- Você não me ama mais?
- Claro que não! Você está morto!
- Oh... - soltou uma rizada doce e fria ao mesmo tempo - Você deve estar ficando louca então, falando com os mortos.
Mari não sabia o que responder, de repente tudo estava muito confuso. Uma mistura de volúpia e terror tomava conta dela. Queria fugir. E ao mesmo tempo ficar. Conseguiu somente pousar sua mão sobre a de Jorge, que subia lentamente sua fronte.
- Tudo bem - disse, enfim - Onde vamos?
- O quê? - perguntou Jorge, realmente parecendo perplexo e soltando seu cabelo.
- Onde vamos? - repetiu Mari, mais firmemente desta vez - Você não vai me levar para o submundo ou lago assim? Não vamos rodar o mundo, como imortais?
- Não! Vamos ficar aqui!
- Vamos? Que sem graça.
- É - Jorge virou a garota para que se olhassem de frente - Eu adoro essa cidade. Só queria que você soubesse.
- Ah - a garota parecia aborrecida, mas logo iluminou-se de novo - E eu tenho um namorado morto-vivo!
Jorge sorriu.
- Agora posso te contar tudo!
Mari riu também.
- Mas vamos sair daqui, que eu quero ver o sol nascer com você.
Lá fora não precisavam mais das lanternas, por causa dos novos raios da aurora. O casal beijou-se longamente, sob o azul pálido que cobria o céu estrelado de outrora.
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