17.3.16

Reciclagem

Um dia a unidade doméstica quebrou. As unidades domésticas que quebravam eram levadas para reciclagem e substituídas por unidades mais novas, mais baratas e mais eficientes, suas peças serviriam para consertar outras unidades quebradas.

Quando a unidade de Julieta e Arthur quebrou, eles fizeram as contas de quanto custaria um novo e concluíram que, mesmo com o melhor custobenefício, seria caro demais. Além do valor da unidade nova, ainda teriam que custear a locomoção da unidade antiga até a reciclagem. Depois Julieta fez a cotação de quanto custaria comprar peças recicladas e percebeu que também estava muito além do orçamento do casal.

Arthur sugeriu que talvez não precisassem tanto de uma unidade doméstica assim. Julieta insistiu. Sabia que o antigo serviço da unidade sobraria para ela. Decidiram, então que chamariam um mecânico de unidades para consertá-la.

Durante todo o tempo que o casal discutia, a unidade esperava pacientemente pelo seu destino, como um velho na cama de hospital que ouve através do sono enquanto  sua família elocubra sobre o melhor fim para o seu corpo. Seria consertada, seria ótimo. Logo poderia reassumir seu posto e seu trabalho, que já estava acumulando.

Na semana seguinte,  começaram a usar a unidade como suporte de chapéus. Depois, como mesa para as correspondências. A unidade chegou a ver Julieta com uma vassoura na mão, sem saber muito como manuseá-la. Depois de um mês, o mês que a unidade mais registrou Arthur e Julieta gritarem e gesticularem um com outro, a unidade foi transportada para dentro de um armário embaixo da escada, junto dos patins velhos e da louça que Julieta ganhara da tia e que detestava. 

Sozinha e no escuro, a unidade se perguntou:

– O homem do conserto não vem?

Um comentário:

Bruna Matos disse...

E eles jamais perceberam o valor dela =(
Muitas pessoas já se viram na mesma condição da U.D., coisificar gente não é tão raro quanto se pode imaginar.
parabéns por escrever tão bem.

http://www.umavidaemandamento.blogspot.com/