um conto de natal.
24 de dezembro. a família toda estava reunida, com exceção da avó que havia falecido no ano anterior, na casa da tia mais velha. satisfeitos pela farta ceia de natal preparada em conjunto por todas as tias - mas que nunca substituiria a cozinha da avó -, os primos dormiam em colchonetes espalhados pela sala, entre a lareira - nunca utilizada, principalmente no natal brasileiro - e a árvore de natal.
a tia que alojava a família dormia satisfeita pelo sucesso do dia anterior, rezando para que tudo desse certo até o dia seguinte. vocês sabem, assumir uma tarefa tão complicada como realizar natais memoráveis depois da morte da matriarca da família é deveras exaustivo. mas, a ceia tendo dado certo, só faltava o amigo secreto no dia seguinte. e nada poderia dar errado com isso. todos os presentes estavam devidamente comportados debaixo da árvore.
ah, a árvore. o orgulho da tia. sempre a mais organizada das irmãs, a primogênita havia se esbaldado em decorações pela casa e, principalmente, na árvore de plástico - trazida anos antes, de quando morava no exterior. haviam tantas luzinhas e bolinhas e lacinhos e bonequinhos em madeira e neve falsa... a planta consistia num amontoado organizadíssimo de verde e vermelho e dourado. as luzinhas pisca-piscantes carregavam os galhos. era um expetáculo para os olhos. tão perfeito.
no meio da noite, no entanto, a prima menor, que tinha feito questão de dormir o mais perto da árvore possível - para poder abrir os seus presentes o mais rápido que conseguisse, assim que acordasse - acordou sentindo um cheiro estranho. era o mesmo cheiro que sentira na ocasião em que derreteu a cabeça e os cabelos da Barbie preferida enquanto usava a chapinha da mãe para alisar os cabelos platinados da boneca.
rolou no colchonete e, deitada de barriga para cima, viu a árvore de ponta cabeça. desvirou-se e olhou o objeto de frente. estava estranho. piscou uma vez. depois duas. estava laranja. estranho. antes era vermelho. vermelho e verde. não laranja.
acordou o primo preferido, um pouquinho mais velho, que dormia ao lado. ele gritou. alguns primos mais velhos acordaram com o grito, outros acordavam aos poucos com o calor.
a árvore inteira estava em chamas.
a árvore, os presentes embaixo dela, a cortina na parede mais próxima. tudo estava ardendo em fogo. ninguém acreditava em como não haviam percebido o estrago antes.
primos mais velhos corriam para a cozinha, para o banheiro, para a lavanderia trazendo água para tentar apagar o fogo. primos menores foram acordar os pais. a casa tinha se tornado um inferno. chamaram os bombeiros.
bombeiros muçulmanos, ateus e de outras religiões que não comemoram a data festiva vieram apagar o incêndio, enquanto toda a família, de pijama, esperava na calçada do outro lado da rua, assistindo ao fracasso do primeiro natal sem a avó.
feliz natal, gente.
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