7.5.17

Morte na Família

Nos últimos anos duas amigas muito próximas perderam seus pais de repente. O que você fala numa hora dessas? Ele tá num lugar melhor? Longe de você e da sua família que perdeu um provedor prematuramente?

Ontem minha tia avó morreu. Tia avó. Não foi de repente. Tinha 95 anos, alzheimer e fazia meses que estava definhando no hospital. Foi um puta alívio. Só fico chateada pelo apartamento gigante a uma quadra do Leblon que eu não vou herdar. Tia avó. Mas adorava ela pra caralho. De verdade. Quando ela ainda tinha cabeça, era super engraçada. E quando não tinha, era um doce. Mas não foi câncer, não foi de repente, foi um alívio. Pobre Tante, parou de sofrer. Foi igual o Tom que decidimos sacrificar depois de 17 anos cuidando da nossa família. Um puta alívio.

Fui com meus pais pro velório. Da tia avó, não do cachorro. O Tom teve uma cremação comum com outros cães sacrificados. Não pedimos as cinzas. Não quero guardar nem as cinzas dos meus pais. Energia tem que circular. 

Fui no velório. Meu pai já tava lá. Fui com a minha mãe. A cerimônia era no último andar de um shopping center enorme, teto de vidro e tudo. Teoricamente eu sabia chegar, mas eu sempre me perco, ainda mais em lugares que não conheço. Com a minha mãe tem que usar as rampas. Nunca vi rampas tão íngremes, era como surfar no piso do prédio. "Rio de Janeiro," eu disse pra minha mãe. "Tudo é zoado aqui." E era na porra do último andar. Tinha hora pra chegar. Antes do Shabbat, me disseram, não deixa escurecer.

Último andar. E nunca chegava. Rampas e escadas rolantes e elevadores e nunca chego lá. Um andar depois do outro e sempre tem mais um. E minha mãe do lado, cabelo branco e bengala, não aguenta mais andar. Só quer poder dar tchau pra Tante. E escada rolante e rampa de montanha russa e elevador. Cadê a porra da sinagoga?

E vimos o cortejo, lá longe, lá embaixo. Sei lá de onde saiu. Acho que acabou o Shabbat, deve estar acabando. A Tante está lá, fresca como se tivesse 70 anos, sorrindo, cabelo branquinho, no caixão aberto cheio de flores brancas. Atrás dela, o rabino. Segurando o caixão, meu pai. Nunca o vi tão frágil, cabelos brancos e cara de triste. Como é que deixaram um senhor desses carregar esse caixote?Nunca tinha percebido o quanto eles frágeis, meus pais. O quanto estavam velhos, o quanto mais eles envelheceriam todos os dias. Quanto tempo resta até ter mais uma morte na família? Quem vai carregar o caixão do meu pai?

E eu, que só tinha por obrigação achar o caminho, nem sei onde é que estou.

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