21.6.16

Alagado


– Da onde vem tanta água? - perguntou Jorge, pisando devagar no piso frio do banheiro alagado do limite do chuveiro até a porta.

Haviam sido dois meses felizes até então, em que o casal arrumava e organizava a casa nova. Amora nunca tinha gostado muito da casa dos pais. Era mal localizada, pegava muito pó e não tinha acesso à internet rápida. Mas, agora que os pais morreram, não fazia mais sentido continuar pagando aluguel. O encamento, no entanto, nunca tinha sido um problema.

Fecharam o registro. Puxaram a água com o rodo. Era tarde demais para procurar o vazamento.

Na manhã seguinte, quando Jorge entrou no banheiro segurando um copo de água da cozinha para escovar os dentes, molhou as meias na poça de água limpa.

Se certificou de que o registro estava fechado. Puxou a água com o rodo.

Examinou o cifão da pia. Examinou a torneira. Examinou as cubas. Tudo certo.

Examinou a borracha do box. Examinou o ralo do chuveiro. Tudo certo.

Examinou o reservatório de água da descarga. Examinou o vaso. Tudo certo. Trocou a borrachinha da descarga por precaução.

Na manhã seguinte foi a vez de Amora molhar a barra da calça moletom.

Fechou o registro. Puxou a água com o rodo.

Decidiu chamar um encanador.

– Não achei nada, senhora, mas cobro a cem reais a hora pela consultoria.

Foram quatro horas de trabalho.

Manhã seguinte, mais água.

Fecharam o registro. Puxaram a água com o rodo.

– O que é inundação nos sonhos, mesmo? O que é que sua vó falava?

Amora sabia que Jorge só queria descontrair. Era seu pior defeito.

– Acho que ela diria que é um pesadelo.

Resolveram passar o dia sem banho e escovar os dentes na pia da cozinha.

Manhã seguinte, puxaram a água com o rodo.

Amora espalhou sal grosso em volta da privada e colocou folhas de arruda na bancada da pia. Separou pingentes de ametista para ela e para o marido.

Na manhã seguinte, puxaram a água com o rodo.

O exorcista chegou de tarde. Não teve medo. Três ave-marias. Cinco pai-nossos. Água benta na água do banheiro.

Puxaram com o rodo.

O pai de santo chegou no dia seguinte. Benzeu o casal.

– De onde tá vindo a porra dessa água?

Jorge finalmente tinha perdido a paciência.

O pai de santo lhes deu boa sorte.

– Vamos ter que viver com isso, mesmo?

Amora já estava sem esperanças.

O pai de santo lhes deu boa sorte novamente. Partiu.

Puxaram a água com o rodo.

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