1.6.10

No prédio velho onde eu morava, havia uma garota no apartamente ao lado. Descobri logo, pelo barulho, que ela era prostituta. Me identificava bastante com ela: ela vendia seu corpo e eu vendia minha alma em minhas histórias. A diferença era que ela não se entregava. Tratava o trabalho, todo aqule contato físico, suor e gemidos falsos ou não, com o distanciamento que alguém trata formulários de exportação ou planilhas de uma grande empresa.

Quando ela não estava trepando, gostava de me convidar para tomar chá com biscotinhos e conversar. Chá só fica bom com bastante açúcar e as bolachinhas, olha que gracinha!, eram mandadas pela avó todas as semanas. Ela se interessava tanto pelo que eu fazia quanto eu pela profissão dela.

"Nunca te faltam idéias?" ela me perguntou uma vez, impressionada.

"É claro que faltam," eu respondi rindo. "E então eu converso com gente interessante como você."

Ela era uma fonte inesgotável de boas histórias. Me dizia como era honroso transar com garotos virgens. Se sentia uma professora, ensinando tudo. Que parecia um presente para todas as outras garotas que aqueles meninos comeriam. Era quase filantropia.

Perguntei-lhe uma vez se ela sentia falta de um namorado.

"Para quê? Trepo o dia inteiro!" disse rindo. "E ainda recebo por isso." completou.

"Mas namorados não são só para trepar," retruquei, romântica incurável que sou. "Eles são aquela pessoa que te ouve, que te faz companhia sempre, que te apóia..."

"Ah!" ela sempre ria quando falava dessas coisas. "Pra isso eu tenho meus amigos, como você."

7 comentários:

Marcos disse...

Filantropia, amizade, prostituição e amor.

É quase um filme do Almodóvar. ^^

Tiago de Mello disse...

vizinha 1 x 0 deborah :)

Alice Voll disse...

complementando o 1o comentário, poderia ser tb um livro de Nelson Rodrigues!

Nina Vieira disse...

Amizades aparentemente improváveis e explicitamente necessárias... eu queria ter amigos assim. Beijão.

Vero disse...

*like* :)

Pedro disse...

E cada um supre suas necessidades como pode.

Umrae disse...

Cômico, no mínimo...
Bjos