9.6.07

Tá certo. Admito que é grande. Mas é agradável. Juro!
Bom, esse é o capítulo final da minha epopéia. (viu, Leo, vc vai poder imprimi-lo agora. Quero saber o que achou depois.) Depois disso voltaremos aos posts pequenos.
Aliás, eu sei que tem umas incoerências externas absurdas, mas quando eu escrevi isso eu tinha só 14 anos e se eu corrigir agora, vai perder toda a graça.

Rosas de Prata
CAPÍTULO 4
Rosas de Prata

Darwin sorriu, completamente realizado, seu ego mais inflado que nunca. Sabia que Nacademus, lá longe no Reino das Fadas (seu futuro reino), assistia orgulhoso pela sua bola de cristal. Olhou para a espada e para a armadura coberta de sangue e riu. Pensar que tinha realmente escapado da boca do Dragão...

Estava lá, à porta do quarto que obviamente continha a princesa. Tirou o elmo e os cabelos dos olhos. Respirou fundo, pôs a mão sobre a maçaneta, virou-a e abriu a porta.

Estranhamente, o quarto era incrivelmente limpo, todo arrumadinho e muito bonito. O quarto inteiro era de marfim: as paredes, o piso, o teto... E este cômodo possuía até uma janela. Uma janela média, de onde dava para enxergar o sol, ainda alto no céu.

Aquela claridade toda fez bem a Darwin, que estivera cerca de três horas no escuro. Seus olhos haviam ardido no vermelho e laranja do fogo, suas narinas e garganta queimaram com a fuligem. Mas aquela claridade, aquele branco, o sol no céu, aquela paz... Darwin andou em direção à janela. Olhou para fora e viu a Floresta de Iridis lá longe. Tão bonita, tudo tão verde visto daqui de cima... Mais perto, estava Black. O cavalo negro pastava tranqüilamente, exatamente como seu cavaleiro havia o deixado, algumas horas atrás. Logo, logo, porém, estaria cavalgando de volta para casa, para o Reino das Fadas, para ser coroado e... E...

Havia esquecido daquele tão simples detalhe, o motivo pelo qual estava lá, pelo qual este quarto estava tão decorado. Olhou para a parede que ainda não tinha observado e viu uma espécie de velório altamente sofisticado. Três degraus cresciam do solo e, no alto, jazia uma cama. Era mais uma cápsula de vidro, mas o importante é que lá estava a princesa. Ao todo seu redor haviam deslumbrantes rosas prateadas. Aquelas rosas não morriam, pareciam florescer ainda mais a cada dia que passava. Perdiam as pétalas, mas novas nasciam em seus lugares. Eram flores enigmáticas, certamente mágicas.

—Bonito, disse Darwin, aproximando-se da princesa.

Talvez o beijo não seria tão ruim. Havia lido em alguns livros de Nacademus que o beijo era “como uma rápida passagem pelo paraíso”, não só um ato de amor. Bom, Darwin abriu um sorriso maroto, se fosse assim, como os outros haviam descrito, não seria nada mal.

Chegou ainda mais perto, o coração batendo com ansiedade. Seria o último obstáculo até o trono, até a coroa, até o poder...

Esticou a mão, a fim de retirar o vidro cobrindo a princesa. Ela era realmente linda. Os cachos pretos emoldurando sua bela face, branca como a lua, os olhos fechados com longos cílios, sob sobrancelhas finas e bem feitas. O nariz arrebitado bem no centro do rosto, uma boca pequena, o lábio inferior mais carnudo que o superior, de um rosa pálido. Tinha um pescoço fino, o vestido do mesmo prateado das rosas era solto e deixava seus ombros à mostra. Todo o seu corpo a partir da cintura estava coberto por pétalas caídas. Mesmo com tamanha beleza, a princesa parecia distante, congelada de um modo muito bizarro, parecia morbidamente morta: um fantasma colorido.

Darwin recuou, puxando a mão, deslizando-a bruscamente sobre o vidro. Quando sua mão esquerda tocou uma das rosas laterais, sentiu uma imensa dor na palma. Fora tudo muito rápido, mas Darwin ainda sentia a perfuração do espinho rasgando sua pele, atravessando sua carne e abrindo sua armadura como se rasga uma folha de papel alumínio.

Ainda com a mão sobre a cápsula de vidro, o cavaleiro, gritando de dor, puxou o braço para trás, arrancando a rosa de seu buquê. Em seu lugar, nasceram outras três flores. Enfurecido, Darwin arrancou a planta amaldiçoada, sem cor e sem cheiro, de seu punho, separando-a, violentamente, do espinho grosso. Jogou a flor desgraçada no chão e ficou algum tempo olhando-a caída, o sangue borbulhando em desgosto.

Quando retornou sua atenção à mão ferida, viu que ela sangrava um pouco. Um rastro vermelho e fino de sangue novo ia do espinho até a ponta do dedo indicador, donde escorriam pequenas gotas que caíam ao chão manchando aquele mármore puro com uma pequena poça vermelha. O espinho cinza azulado como a manhã antes do sol, fincado bem no centro da palma recoberta de ferro, saindo por ambos os lados. Com a mão desocupada, tratou de retirar o “invasor” cuidadosamente, mergulhado em profunda comiseração.

Resolveu tirar a armadura das mãos para ver o estrago que o espinho fizera. Puxou a mesma da mão machucada como se fosse uma luva. Sim, presumiu Darwin com os lábios tremendo de ódio contra a flor maldita, o estrago havia sido grande. A palma estava completamente furada como se tivesse levado um tiro. O buraco tinha um diâmetro de mais ou menos um centímetro e o círculo que a formava parecia ter sido queimada ao seu lugar. Não sangrava muito. Até agora.

De repente, Darwin tornou-se uma nascente de um verdadeiro rio de sangue. Horror e fúria prevaleceram e o garoto correu até a porta, onde havia deixado sua espada, pegou-a com as duas mãos, foi em direção das flores e—

—AHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!

Com a garganta solta, livre, o humor pior que nunca, a mão sangrando muito tingindo a armadura, a espada, o chão... Cortava frenética e furiosamente contra as rosas: pétalas e espinhos voavam pelo cômodo, como penas numa guerra de travesseiros. Essa batalha continuou por vários minutos, até que todas as flores foram despedaçadas e jaziam caídas no solo parecendo uma estátua de pedra estatelada. Satisfeito, mas não se sentindo ainda vingado, jogou a espada ao chão com a mão boa, agora coberta pelo sangue que continuava saindo da outra. Ergueu a mesma, macabramente regando as rosas cortadas e mortas.

—Vinguei-me de vocês, flora infernal! São idênticas à princesa que guardam: bonitas por fora, mas detestáveis e pontudas por dentro! Tal qual a princesa que matou meu pai! – falou Darwin num tom alto e claro, ganhava coragem, orgulho, à medida que
falava.

Era ele quem mandava, aquele que tinha o poder no quarto. Aquelas rosas eram vegetais de pedra, a princesa estava tão morta quanto o dragão a muitos andares abaixo deles. Darwin dominava neste momento. Sua ferida já não doía mais, mas o sangue persistia em jorrar. Respirou fundo, não por medo, não por nervosismo, mas em um ato de soberania. E continuou:

—Sangro por vocês! Vocês não têm sangue em seus vasos de pedra, suas flores
prateadas do inferno! Rego-vos em um ato de misericórdia!

Sangue desaguava nas pétalas caídas e nos galhos nus da palma da mão erguida do cavaleiro, tingindo tudo de vermelho. Gotas salpicavam também sobre a cápsula da princesa, manchando-a aos pouquinhos.

As trevas finalmente baixaram do espírito de Darwin e sua ferida parou de jorrar, pingando só um pouco. Sentou-se ao chão, em um dos únicos cantos que não estavam sujos de seu próprio sangue, onde sua fúria não havia interrompido a paz do mármore. Tirou um lenço do interior da bota de ferro e amarrou-o em torno do machucado, esse ganhou umas gotas vermelhas no início. Darwin assistiu-as nascer e crescer com grande interesse e um pouco de dó por si mesmo. Mais calmo, despiu-se da luva de ferro da mão direita. Flexionou os dedos, todos os dez. Aquele ferro apertava e impedia-lhe do uso correto de suas mãos.

—Ai! – exclamou aliviado, massageando a mão boa com a ferida. Era tão bom tirar toda aquela tensão dentre os dedos.

Lembrou-se de uma vez ter recebido uma massagem nos ombros de uma garota. Havia sido gostoso. Darwin tinha 15 anos na época e a garota era uma camponesa bonitinha. O garoto lembrava-se de suas tranças cor de mel e de seus grandes olhos castanhos. Tinha mãos hábeis, dois anos a mais que Darwin e um papo ousado.

—A única coisa que faço em casa é costurar, cuidar dos animais e da casa – ela havia dito a Darwin enquanto massageava-o. E num tom mais provocante revelou o que realmente queria:

—Agora eu só preciso de um homem para me dar uma vida.

Mas ela havia se enganado ao procurar o cavaleiro. Este não queria garotas e (nessa ela havia se enganado mesmo) nunca dividiria o poder – a verdadeira vida, o significado e a essência da vida – com ninguém, muita menos com uma camponesinha qualquer.

Todavia gostaria que ela – como era mesmo seu nome? – estivesse aqui para massagear seus pés dolorosos. Tirou a bota de ferro do outro pé e esticou seus dedos, separando-os, depois os flexionou algumas vezes. Cruzando a perna sobre a outra, começou a massageá-la. Ainda fazendo isso, olhou para cima, encarando o quarto.

—Pelas barbas de Merlin!

Espantado, viu que o chão continuava repleto de sangue, mas as pétalas haviam sugado aquilo que o manchou, tal como os galhos da roseira. Esta estava crescendo numa velocidade fora do comum cobrindo a princesa por completo. Pelo que deu para Darwin ver, a cápsula também estava limpa. Com passos de mágica, as pétalas levitavam do chão, juntavam-se aos galhos e formavam novas rosas. A roseira nova era mais alta, mais grossa e tinha mais espinhos.

Darwin abaixou a cabeça. Entendera tudo. Teria sido fácil demais... Não podia lutar contra as rosas, contra os arbustos, contra os espinhos. Isto só faria com que crescessem mais... Havia um segredo. E Darwin sabia o que tinha que fazer. Teria que amar a princesa, amá-la de verdade, para poder chegar perto dela. As rosas a protegiam de alguém que a usaria, exatamente como Darwin planejava fazer.

Enterrou o rosto nas mãos. E agora? Ninguém ama por obrigação, isto não é amor.
Aos sete anos Darwin havia perguntado à sua mãe o que era amor. Nesta época ela ainda era apaixonada por seu marido, e este ainda era fiel, então respondera, enquanto cozinhava:

—Amor é sentir calor nas mãos e no rosto, frio na barriga, mas não sentir os pés no chão.

Aquilo era bonito, mas o garoto já afastava os sentimentos quando chegava à primeira etapa: calor nas mãos. Lembrava de ter sentido calor excessivo quando Virgínia – isso! Este era o nome da camponesa – falava com ele. Nacademus havia dito que ela não servia, que nada jamais seria sério com ela. E quem disse que Darwin queria algo sério? Ele queria era se divertir, depois largava a garota em qualquer canto. Ao pensar nisso, o cavaleiro tinha certeza de que novos espinhos cresciam no arbusto.
Apertou os olhos fechados. Por que o amor tinha de ser tão complicado? Na verdade não é, dissera o Mago Stein em visita a Nacademus, o amor é muito simples, nós é que a tornamos complexa. Darwin concordava com isso. Bastava arrancar o coração, expô-lo ao vento e esperar o primeiro bonitão tocá-lo. No caso de Nemo, era mais fácil ainda, bastava alguém olhar para ele que já entregaria o mundo a ela. Mas Darwin era diferente. Costumava se isolar e esconder-se emocionalmente. Era fechado.

Parcialmente por causa da mãe que, depois do incidente da princesa, chamava todo e qualquer apaixonado de tolo cego. Darwin também tinha medo de se machucar, assim como sua mãe havia sido machucada.

Na verdade, ele não tinha nada contra mulheres. Sempre apreciou as curvas e delicadeza das moças, raciocínio e visão de mundo diferentes dos homens. Até levaria a camponesa Virgínia para algum lugar distante para reiniciar sua vida com ela. O problema maior eram as princesas, como esta pirralha dentro da cápsula. Uma havia destruído sua família e a mãe de Darwin, que sempre fora alegre e amável, tornou-se fechada e triste, morrera de tristeza. Desde então, Darwin jurou que nunca se relacionaria com princesa alguma para vingar a morte e a solidão de sua mãe.
***

Haviam passado horas. A roseira prateada continuava a florescer à medida que Darwin detestava mais a princesa de pedra.

A luz da lua cheia, pendurada lá no céu negro estrelado, entrava pela janela, iluminando o quarto, tornando-o ainda mais morto e pedroso. Darwin deitava-se no chão, olhando para o teto, a cabeça apoiada nos braços dobrados, pensando.

Nacademus o estaria observando agora? Deixaria sua bola de cristal pela noite? Por esta noite? Teria ele, conhecendo Darwin como conhecia, perdido as esperanças de que ele algum dia viria a amar? Como será que o Mago, lá longe, em seu simples e pequeno chalé na periferia calma do Reino das Fadas, estaria?

Reino das Fadas... Tão perto e ao mesmo tempo tão longe... Estava a 3 metros e a dois anos e Darwin tinha a impressão de que a distância aumentaria à medida que o tempo passasse.

Darwin virou-se para olhar a lua. Viu nela o rosto da mãe: envelhecida em demasia para sua idade, os olhos eram a única coisa que pareciam vivos. Sua expressão era de dor. Como ela estaria orgulhosa do filho que não caíra nas garras do amor.

Mas seria todo amor maldito? Os Magos acreditavam que os sentimentos mais bonitos eram a coragem e o amor. Por isso, quem os tinha seria um bom rei. Darwin leu, também, muitos livros de amores bonitos. Seria capaz de realizar tal ato? E Zaphira? Havia a morte da Fada do Amor sido em vão? Era inevitável pensar em amor sem fazer o mesmo com sua Fada. Darwin fechou os olhos e, no escuro, viu o aspecto meigo da amiga reaparecer. Seus olhos brilhantes, sorriso que iluminaria até a breu torre lá embaixo.

Uma lágrima formou-se nos olhos de Darwin e, sem perceber, deixou que ela caísse. Como sentia saudades da amiga... Havia convivido com ela por tão pouco tempo, mas ela havia o ensinado tanto...

Enquanto subiam a íngreme serra, Zaphira havia contado uma história sobre o início da humanidade e o verdadeiro significado do amor.

No início, ela havia dito, não existiam homens nem mulheres. Existiam seres de duas cabeças, quatro pernas, quatro braços, mas apenas um coração, uma alma. O sangue era o mesmo, assim como o ar que respiravam. Estes seres eram muito felizes, mas os Deuses divertiam-se atirando raios nessas criaturas, separando-as. Desde então, a sina do ser humano é encontrar seu parceiro, aquele que tem a mesma alma, o mesmo coração. Aquele que voltará a dividir o ar e, algum dia, o mesmo sangue.

O cavaleiro não tinha prestado muita atenção ao conto, mas agora entendia... Olhando a cápsula que se livrava aos poucos dos espinhos que a envolviam, que a protegiam. Despia-se da armadura do anti-social, dos mitos, das mentiras.

Darwin ficou de pé. Alto, forte, os cabelos curtos, cor de areia, caídas sobre os olhos verde-água, como o mar. Seria possível? Sim, seria sim. Ah! Zaphira ficaria tão feliz, Nacademus provavelmente estava tão orgulhoso...

Deu dois passos e pôs-se a correr. O quarto se transformava em um comprido corredor, num túnel escuro. Mas nada disso importava, tinha a luz do olhar da princesa para lhe guiar, seus batimentos cardíacos aumentavam à medida que a adrenalina infiltrava em suas artérias. Correndo... Não pensava mais no Reino das Fadas. Bobagem! Nemo seria, certamente, um Rei melhor. Seria mais sábio, teria mais compaixão. Darwin nunca tinha pensado na tristeza de acordar todo dia sozinho, dia após dia, não ter ninguém para dividir as alegrias, para passar noites chuvosas abraçados no divã em frente à fogueira. Isso sim era ser feliz.

Como você estava errada, mãe.

Parou de correr, cessando em frente à cama de pedra. Puxou a cobertura para esquerda, livrando os membros superiores. A respiração acelerada, o coração à mil, pôs a sua mão sobre a delicada mão da princesa, com dedos compridos e finos, unhas bem cuidadas. Como a natureza era gentil com algumas pessoas, como ela conseguia manter, sem o menor esforço, algumas coisas tão belas; tal qual as rosas prateadas e a princesa Alka. Esta agora parecia apenas adormecida, não morta, como estava anteriormente, com sua pele macia e suave... O rapaz passou a mão pelos cabelos negros, macios e sedosos. Como ela conseguia ser tão incrivelmente perfeita...

Sorriu. Darwin abaixou-se e, um pouco nervoso, roçou seus lábios contra a boca da garota. Ela ainda estava fria. Beijou-a mais humanamente desta vez, soprando vida e calor para dentro do corpo à sua frente. Sentiu-se renascer ao toque.

Afastou um pouco o rosto para olhar profundamente nos olhos de seu amor. E surpreendeu-se olhando para dois grandes olhos de íris cor-de-rosa berrante. Por algum tempo, Darwin ficou paralisado, em transe, em favor desta tão bem vinda surpresa. Mas seria mesmo?

—Oizinho, Darwin!

Não era a voz profunda, suave, que era de se esperar de uma princesa. Era aguda demais para os lábios de veludo que a proferiam. Seria até desagradável se não fosse a coincidência...

—P-princesa Alka?!

—Darwin, me chame pelo nome.

Epílogo

Darwin não sabia, Nacademus nunca o havia ensinado que, se uma Fada gostasse realmente da pessoa de quem ajudasse, poderia transformar-se num humano e conviver com ela por mais tempo. Foi isso que Zaphira fez. Ela e Darwin se casaram e foram muito felizes juntos. Seu filho fora treinado por Nacademus, também, para competir o próximo trono.

É, você já adivinhou, mas vou dizer de novo: Nemo surpreendeu a todos (menos ao leitor) com suas habilidades e bravura e reinou por muitos anos até que a morte finalmente o levou.

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