Passei seis meses sem fazer absolutamente nada (salvo por um cineminha aqui e acolá, um churrasco e uma mísera festa no início do ano). Agora que finalmente apareceu um churrasco de despedida de uma amigo meu, surgiu uma pizzada de uma amiga minha no mesmo dia e um casamento no Rio de uma prima distante. E tudo isso na véspera de um simulado. E depois do simulado ainda tem outro churrasco.
Impressionante como TUDO sempre acontece ao mesmo tempo.
27.6.07
24.6.07
Eu sou meio suspeita pra falar de filmes fantasiosos, mas O Labirinto do Fauno é realmente espetacular. A fotografia é ótima, pra começar. Os efeitos especiais também (se bem que hoje, depois de Narnia ou Star Wars mesmo, onde seres em animação gráfica nunca destoam do resto do cenário, é inútil falar de animação). O fauno, as fadas e outros seres fantásticos são incrivelmente bem feitos e belos. O cenário místico é fabuloso, o real idem.
O enredo se passa em 1944, durante a ditaduta do General Franco, na Espanha. A história trata de Ofélia, uma menina de 13 anos (com cara e corpo de 11, diga-se de passagem), apaixonada por contos de fadas, que vai viver com sua mãe na casa de campo do General Vidal (Darth Vader), um militar franquista inescrupuloso e muito cruel. Apesar de tudo isso, o general é segundo marido da mãe da protagonista e pai de seu irmãozinho, que está prestes a nascer.
Certo noite, Ofélia é levada por uma fada para um labirinto nas redondezas da casa de campo de seu padrasto, onde encontra um fauno que lhe revela que ela é uma princesa esperada por todos do reino subterrâneo, onde não existe dor ou enfermidades ou morte. Mas, para provar que ela é digna de sua magestade, é preciso que ela realize três tarefas antes da lua cheia (dali a pouco tempo).
Enquanto isso, no lustre do castelo, a empregada do general e amiga de Ofélia e o médico de sua mãe, tramam contra o general, ajudando rebeldes refugiados (Aliança Rebelde) na floresta. Além disso, a mãe de Ofélia fica muito doente por conta da gravidez. O mundo real é marcado por crueldade extrema e muita dor.
Um dos pontos altos é como a película consegue balançar cenas muito cruéis com as fantasiosas, fazendo com que nada se torne forte demais, ao mesmo tempo que nada perca o sentido. Ainda fica no ar, ao final do filme, se o fauno e todo o reino mágico de Ofélia realmente existiu e foi impossível de ser visto por adultos sem inocência ou se foi tudo somente um delírio. Acho que este foi um dos melhores dramas polítocs que já assisti.
O enredo se passa em 1944, durante a ditaduta do General Franco, na Espanha. A história trata de Ofélia, uma menina de 13 anos (com cara e corpo de 11, diga-se de passagem), apaixonada por contos de fadas, que vai viver com sua mãe na casa de campo do General Vidal (Darth Vader), um militar franquista inescrupuloso e muito cruel. Apesar de tudo isso, o general é segundo marido da mãe da protagonista e pai de seu irmãozinho, que está prestes a nascer.
Certo noite, Ofélia é levada por uma fada para um labirinto nas redondezas da casa de campo de seu padrasto, onde encontra um fauno que lhe revela que ela é uma princesa esperada por todos do reino subterrâneo, onde não existe dor ou enfermidades ou morte. Mas, para provar que ela é digna de sua magestade, é preciso que ela realize três tarefas antes da lua cheia (dali a pouco tempo).
Enquanto isso, no lustre do castelo, a empregada do general e amiga de Ofélia e o médico de sua mãe, tramam contra o general, ajudando rebeldes refugiados (Aliança Rebelde) na floresta. Além disso, a mãe de Ofélia fica muito doente por conta da gravidez. O mundo real é marcado por crueldade extrema e muita dor.
Um dos pontos altos é como a película consegue balançar cenas muito cruéis com as fantasiosas, fazendo com que nada se torne forte demais, ao mesmo tempo que nada perca o sentido. Ainda fica no ar, ao final do filme, se o fauno e todo o reino mágico de Ofélia realmente existiu e foi impossível de ser visto por adultos sem inocência ou se foi tudo somente um delírio. Acho que este foi um dos melhores dramas polítocs que já assisti.
20.6.07
Tem várias coisas que eu odeio. Principalmente tipos de pessoas.
Antes eu odiava os emos, mas agora eles estão diminuindo, então eles não me encomodam mais. Hoje me divirto mais rindo deles. Passei então a odiar pseudo-intelectuais, que são simplesmente detestáveis por tudo o que são e respresentam, com suas roupas retrôs, seus livros do Jorge Saramago, seus filmes do Walter Salles e outros diretores alternativos ganhadores de Oscars e suas bandas alternativas de gravadoras milhonárias.
Também odeio vegetarianos que tentam converncer todo mundo a parar de comer carne com suas fotos de açogues no orkut, dizendo que "se vc estudasse fisiologia humana vc saberia que não deveríamos comer carne assim" (na verdade se vc estudasse fisiologia, vc saberia que não deveríamos comer tanto assim). Esses vegans nunca pensam que, se fôssemos herbívoros, o cérebro humano nunca teria se desenvolvido tanto. Aposto que esses chatos me responderiam, por orkut, que tecnologia não é importante.
Há os comunistas também. Odeio comunista. Deveríamos fazer uma fogueira com todos eles e celebrar o imperialismo, capitalismo e consumismo norte-americano yanke. Eu entendo que o socialismo utópico, o científico e o anarquismo são idéias bonitas e tal e seria realmente bom se fosse possível. Mas não é. Por isso aquele livro do Thomas Morus se chama A Utopia. Eu aceito comunistas pré-guerra fria, mas continuar acreditando nesses ideais depois do fracasso da URSS, de Cuba, da China, da Coréia do Norte, etc, etc, etc... (Favor não colocar a culpa disso na corrida armamentista e espacial da União Soviética e dos EUA. Se a URSS fosse realmente tão boa, nem teria entrado na briga e realmente ficaria investindo para melhorar a edução, a saúde e blá, blá, blá...)
Odeio anti-americanos que deixam de comprar McDonald´s, mas comem no Burger King. Isso serve para os comunistas também, que na maioria das vezes deixam de usar Nike para usar All Star e carregam seus IPods por todos os lados. Detestáveis...
Odeio feminista também. Mas isso eu odeio simplesmente pelo gosto de odiar, porque feministas são muito chatas. Até parece que conseguimos matar baratas, trocar pneus sem nos importarmos em nos sujarmos e abrir latas de picles sozinhas... E eu nunca vi uma feminista reclamar de não ter que servir o exército ou de desconto para mulheres na balada.
E eu odeio pessoas que são pseudo-intelectuais, vegetarianos chatos, comunistas, antiamericanos (que costumam ser a mesma coisa) e feminista tudo ao mesmo tempo. E ainda por cima politicamente correto. Odeio pessoas politicamente corretas, ecológicas, que não comem gordura trans... O mundo seria tão mais divertido se fôssemos todos impoliticamente corretos...
Antes eu odiava os emos, mas agora eles estão diminuindo, então eles não me encomodam mais. Hoje me divirto mais rindo deles. Passei então a odiar pseudo-intelectuais, que são simplesmente detestáveis por tudo o que são e respresentam, com suas roupas retrôs, seus livros do Jorge Saramago, seus filmes do Walter Salles e outros diretores alternativos ganhadores de Oscars e suas bandas alternativas de gravadoras milhonárias.
Também odeio vegetarianos que tentam converncer todo mundo a parar de comer carne com suas fotos de açogues no orkut, dizendo que "se vc estudasse fisiologia humana vc saberia que não deveríamos comer carne assim" (na verdade se vc estudasse fisiologia, vc saberia que não deveríamos comer tanto assim). Esses vegans nunca pensam que, se fôssemos herbívoros, o cérebro humano nunca teria se desenvolvido tanto. Aposto que esses chatos me responderiam, por orkut, que tecnologia não é importante.
Há os comunistas também. Odeio comunista. Deveríamos fazer uma fogueira com todos eles e celebrar o imperialismo, capitalismo e consumismo norte-americano yanke. Eu entendo que o socialismo utópico, o científico e o anarquismo são idéias bonitas e tal e seria realmente bom se fosse possível. Mas não é. Por isso aquele livro do Thomas Morus se chama A Utopia. Eu aceito comunistas pré-guerra fria, mas continuar acreditando nesses ideais depois do fracasso da URSS, de Cuba, da China, da Coréia do Norte, etc, etc, etc... (Favor não colocar a culpa disso na corrida armamentista e espacial da União Soviética e dos EUA. Se a URSS fosse realmente tão boa, nem teria entrado na briga e realmente ficaria investindo para melhorar a edução, a saúde e blá, blá, blá...)
Odeio anti-americanos que deixam de comprar McDonald´s, mas comem no Burger King. Isso serve para os comunistas também, que na maioria das vezes deixam de usar Nike para usar All Star e carregam seus IPods por todos os lados. Detestáveis...
Odeio feminista também. Mas isso eu odeio simplesmente pelo gosto de odiar, porque feministas são muito chatas. Até parece que conseguimos matar baratas, trocar pneus sem nos importarmos em nos sujarmos e abrir latas de picles sozinhas... E eu nunca vi uma feminista reclamar de não ter que servir o exército ou de desconto para mulheres na balada.
E eu odeio pessoas que são pseudo-intelectuais, vegetarianos chatos, comunistas, antiamericanos (que costumam ser a mesma coisa) e feminista tudo ao mesmo tempo. E ainda por cima politicamente correto. Odeio pessoas politicamente corretas, ecológicas, que não comem gordura trans... O mundo seria tão mais divertido se fôssemos todos impoliticamente corretos...
15.6.07
9.6.07
Tá certo. Admito que é grande. Mas é agradável. Juro!
Bom, esse é o capítulo final da minha epopéia. (viu, Leo, vc vai poder imprimi-lo agora. Quero saber o que achou depois.) Depois disso voltaremos aos posts pequenos.
Aliás, eu sei que tem umas incoerências externas absurdas, mas quando eu escrevi isso eu tinha só 14 anos e se eu corrigir agora, vai perder toda a graça.
Rosas de Prata
CAPÍTULO 4
Rosas de Prata
Darwin sorriu, completamente realizado, seu ego mais inflado que nunca. Sabia que Nacademus, lá longe no Reino das Fadas (seu futuro reino), assistia orgulhoso pela sua bola de cristal. Olhou para a espada e para a armadura coberta de sangue e riu. Pensar que tinha realmente escapado da boca do Dragão...
Estava lá, à porta do quarto que obviamente continha a princesa. Tirou o elmo e os cabelos dos olhos. Respirou fundo, pôs a mão sobre a maçaneta, virou-a e abriu a porta.
Estranhamente, o quarto era incrivelmente limpo, todo arrumadinho e muito bonito. O quarto inteiro era de marfim: as paredes, o piso, o teto... E este cômodo possuía até uma janela. Uma janela média, de onde dava para enxergar o sol, ainda alto no céu.
Aquela claridade toda fez bem a Darwin, que estivera cerca de três horas no escuro. Seus olhos haviam ardido no vermelho e laranja do fogo, suas narinas e garganta queimaram com a fuligem. Mas aquela claridade, aquele branco, o sol no céu, aquela paz... Darwin andou em direção à janela. Olhou para fora e viu a Floresta de Iridis lá longe. Tão bonita, tudo tão verde visto daqui de cima... Mais perto, estava Black. O cavalo negro pastava tranqüilamente, exatamente como seu cavaleiro havia o deixado, algumas horas atrás. Logo, logo, porém, estaria cavalgando de volta para casa, para o Reino das Fadas, para ser coroado e... E...
Havia esquecido daquele tão simples detalhe, o motivo pelo qual estava lá, pelo qual este quarto estava tão decorado. Olhou para a parede que ainda não tinha observado e viu uma espécie de velório altamente sofisticado. Três degraus cresciam do solo e, no alto, jazia uma cama. Era mais uma cápsula de vidro, mas o importante é que lá estava a princesa. Ao todo seu redor haviam deslumbrantes rosas prateadas. Aquelas rosas não morriam, pareciam florescer ainda mais a cada dia que passava. Perdiam as pétalas, mas novas nasciam em seus lugares. Eram flores enigmáticas, certamente mágicas.
—Bonito, disse Darwin, aproximando-se da princesa.
Talvez o beijo não seria tão ruim. Havia lido em alguns livros de Nacademus que o beijo era “como uma rápida passagem pelo paraíso”, não só um ato de amor. Bom, Darwin abriu um sorriso maroto, se fosse assim, como os outros haviam descrito, não seria nada mal.
Chegou ainda mais perto, o coração batendo com ansiedade. Seria o último obstáculo até o trono, até a coroa, até o poder...
Esticou a mão, a fim de retirar o vidro cobrindo a princesa. Ela era realmente linda. Os cachos pretos emoldurando sua bela face, branca como a lua, os olhos fechados com longos cílios, sob sobrancelhas finas e bem feitas. O nariz arrebitado bem no centro do rosto, uma boca pequena, o lábio inferior mais carnudo que o superior, de um rosa pálido. Tinha um pescoço fino, o vestido do mesmo prateado das rosas era solto e deixava seus ombros à mostra. Todo o seu corpo a partir da cintura estava coberto por pétalas caídas. Mesmo com tamanha beleza, a princesa parecia distante, congelada de um modo muito bizarro, parecia morbidamente morta: um fantasma colorido.
Darwin recuou, puxando a mão, deslizando-a bruscamente sobre o vidro. Quando sua mão esquerda tocou uma das rosas laterais, sentiu uma imensa dor na palma. Fora tudo muito rápido, mas Darwin ainda sentia a perfuração do espinho rasgando sua pele, atravessando sua carne e abrindo sua armadura como se rasga uma folha de papel alumínio.
Ainda com a mão sobre a cápsula de vidro, o cavaleiro, gritando de dor, puxou o braço para trás, arrancando a rosa de seu buquê. Em seu lugar, nasceram outras três flores. Enfurecido, Darwin arrancou a planta amaldiçoada, sem cor e sem cheiro, de seu punho, separando-a, violentamente, do espinho grosso. Jogou a flor desgraçada no chão e ficou algum tempo olhando-a caída, o sangue borbulhando em desgosto.
Quando retornou sua atenção à mão ferida, viu que ela sangrava um pouco. Um rastro vermelho e fino de sangue novo ia do espinho até a ponta do dedo indicador, donde escorriam pequenas gotas que caíam ao chão manchando aquele mármore puro com uma pequena poça vermelha. O espinho cinza azulado como a manhã antes do sol, fincado bem no centro da palma recoberta de ferro, saindo por ambos os lados. Com a mão desocupada, tratou de retirar o “invasor” cuidadosamente, mergulhado em profunda comiseração.
Resolveu tirar a armadura das mãos para ver o estrago que o espinho fizera. Puxou a mesma da mão machucada como se fosse uma luva. Sim, presumiu Darwin com os lábios tremendo de ódio contra a flor maldita, o estrago havia sido grande. A palma estava completamente furada como se tivesse levado um tiro. O buraco tinha um diâmetro de mais ou menos um centímetro e o círculo que a formava parecia ter sido queimada ao seu lugar. Não sangrava muito. Até agora.
De repente, Darwin tornou-se uma nascente de um verdadeiro rio de sangue. Horror e fúria prevaleceram e o garoto correu até a porta, onde havia deixado sua espada, pegou-a com as duas mãos, foi em direção das flores e—
—AHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!
Com a garganta solta, livre, o humor pior que nunca, a mão sangrando muito tingindo a armadura, a espada, o chão... Cortava frenética e furiosamente contra as rosas: pétalas e espinhos voavam pelo cômodo, como penas numa guerra de travesseiros. Essa batalha continuou por vários minutos, até que todas as flores foram despedaçadas e jaziam caídas no solo parecendo uma estátua de pedra estatelada. Satisfeito, mas não se sentindo ainda vingado, jogou a espada ao chão com a mão boa, agora coberta pelo sangue que continuava saindo da outra. Ergueu a mesma, macabramente regando as rosas cortadas e mortas.
—Vinguei-me de vocês, flora infernal! São idênticas à princesa que guardam: bonitas por fora, mas detestáveis e pontudas por dentro! Tal qual a princesa que matou meu pai! – falou Darwin num tom alto e claro, ganhava coragem, orgulho, à medida que
falava.
Era ele quem mandava, aquele que tinha o poder no quarto. Aquelas rosas eram vegetais de pedra, a princesa estava tão morta quanto o dragão a muitos andares abaixo deles. Darwin dominava neste momento. Sua ferida já não doía mais, mas o sangue persistia em jorrar. Respirou fundo, não por medo, não por nervosismo, mas em um ato de soberania. E continuou:
—Sangro por vocês! Vocês não têm sangue em seus vasos de pedra, suas flores
prateadas do inferno! Rego-vos em um ato de misericórdia!
Sangue desaguava nas pétalas caídas e nos galhos nus da palma da mão erguida do cavaleiro, tingindo tudo de vermelho. Gotas salpicavam também sobre a cápsula da princesa, manchando-a aos pouquinhos.
As trevas finalmente baixaram do espírito de Darwin e sua ferida parou de jorrar, pingando só um pouco. Sentou-se ao chão, em um dos únicos cantos que não estavam sujos de seu próprio sangue, onde sua fúria não havia interrompido a paz do mármore. Tirou um lenço do interior da bota de ferro e amarrou-o em torno do machucado, esse ganhou umas gotas vermelhas no início. Darwin assistiu-as nascer e crescer com grande interesse e um pouco de dó por si mesmo. Mais calmo, despiu-se da luva de ferro da mão direita. Flexionou os dedos, todos os dez. Aquele ferro apertava e impedia-lhe do uso correto de suas mãos.
—Ai! – exclamou aliviado, massageando a mão boa com a ferida. Era tão bom tirar toda aquela tensão dentre os dedos.
Lembrou-se de uma vez ter recebido uma massagem nos ombros de uma garota. Havia sido gostoso. Darwin tinha 15 anos na época e a garota era uma camponesa bonitinha. O garoto lembrava-se de suas tranças cor de mel e de seus grandes olhos castanhos. Tinha mãos hábeis, dois anos a mais que Darwin e um papo ousado.
—A única coisa que faço em casa é costurar, cuidar dos animais e da casa – ela havia dito a Darwin enquanto massageava-o. E num tom mais provocante revelou o que realmente queria:
—Agora eu só preciso de um homem para me dar uma vida.
Mas ela havia se enganado ao procurar o cavaleiro. Este não queria garotas e (nessa ela havia se enganado mesmo) nunca dividiria o poder – a verdadeira vida, o significado e a essência da vida – com ninguém, muita menos com uma camponesinha qualquer.
Todavia gostaria que ela – como era mesmo seu nome? – estivesse aqui para massagear seus pés dolorosos. Tirou a bota de ferro do outro pé e esticou seus dedos, separando-os, depois os flexionou algumas vezes. Cruzando a perna sobre a outra, começou a massageá-la. Ainda fazendo isso, olhou para cima, encarando o quarto.
—Pelas barbas de Merlin!
Espantado, viu que o chão continuava repleto de sangue, mas as pétalas haviam sugado aquilo que o manchou, tal como os galhos da roseira. Esta estava crescendo numa velocidade fora do comum cobrindo a princesa por completo. Pelo que deu para Darwin ver, a cápsula também estava limpa. Com passos de mágica, as pétalas levitavam do chão, juntavam-se aos galhos e formavam novas rosas. A roseira nova era mais alta, mais grossa e tinha mais espinhos.
Darwin abaixou a cabeça. Entendera tudo. Teria sido fácil demais... Não podia lutar contra as rosas, contra os arbustos, contra os espinhos. Isto só faria com que crescessem mais... Havia um segredo. E Darwin sabia o que tinha que fazer. Teria que amar a princesa, amá-la de verdade, para poder chegar perto dela. As rosas a protegiam de alguém que a usaria, exatamente como Darwin planejava fazer.
Enterrou o rosto nas mãos. E agora? Ninguém ama por obrigação, isto não é amor.
Aos sete anos Darwin havia perguntado à sua mãe o que era amor. Nesta época ela ainda era apaixonada por seu marido, e este ainda era fiel, então respondera, enquanto cozinhava:
—Amor é sentir calor nas mãos e no rosto, frio na barriga, mas não sentir os pés no chão.
Aquilo era bonito, mas o garoto já afastava os sentimentos quando chegava à primeira etapa: calor nas mãos. Lembrava de ter sentido calor excessivo quando Virgínia – isso! Este era o nome da camponesa – falava com ele. Nacademus havia dito que ela não servia, que nada jamais seria sério com ela. E quem disse que Darwin queria algo sério? Ele queria era se divertir, depois largava a garota em qualquer canto. Ao pensar nisso, o cavaleiro tinha certeza de que novos espinhos cresciam no arbusto.
Apertou os olhos fechados. Por que o amor tinha de ser tão complicado? Na verdade não é, dissera o Mago Stein em visita a Nacademus, o amor é muito simples, nós é que a tornamos complexa. Darwin concordava com isso. Bastava arrancar o coração, expô-lo ao vento e esperar o primeiro bonitão tocá-lo. No caso de Nemo, era mais fácil ainda, bastava alguém olhar para ele que já entregaria o mundo a ela. Mas Darwin era diferente. Costumava se isolar e esconder-se emocionalmente. Era fechado.
Parcialmente por causa da mãe que, depois do incidente da princesa, chamava todo e qualquer apaixonado de tolo cego. Darwin também tinha medo de se machucar, assim como sua mãe havia sido machucada.
Na verdade, ele não tinha nada contra mulheres. Sempre apreciou as curvas e delicadeza das moças, raciocínio e visão de mundo diferentes dos homens. Até levaria a camponesa Virgínia para algum lugar distante para reiniciar sua vida com ela. O problema maior eram as princesas, como esta pirralha dentro da cápsula. Uma havia destruído sua família e a mãe de Darwin, que sempre fora alegre e amável, tornou-se fechada e triste, morrera de tristeza. Desde então, Darwin jurou que nunca se relacionaria com princesa alguma para vingar a morte e a solidão de sua mãe.
***
Haviam passado horas. A roseira prateada continuava a florescer à medida que Darwin detestava mais a princesa de pedra.
A luz da lua cheia, pendurada lá no céu negro estrelado, entrava pela janela, iluminando o quarto, tornando-o ainda mais morto e pedroso. Darwin deitava-se no chão, olhando para o teto, a cabeça apoiada nos braços dobrados, pensando.
Nacademus o estaria observando agora? Deixaria sua bola de cristal pela noite? Por esta noite? Teria ele, conhecendo Darwin como conhecia, perdido as esperanças de que ele algum dia viria a amar? Como será que o Mago, lá longe, em seu simples e pequeno chalé na periferia calma do Reino das Fadas, estaria?
Reino das Fadas... Tão perto e ao mesmo tempo tão longe... Estava a 3 metros e a dois anos e Darwin tinha a impressão de que a distância aumentaria à medida que o tempo passasse.
Darwin virou-se para olhar a lua. Viu nela o rosto da mãe: envelhecida em demasia para sua idade, os olhos eram a única coisa que pareciam vivos. Sua expressão era de dor. Como ela estaria orgulhosa do filho que não caíra nas garras do amor.
Mas seria todo amor maldito? Os Magos acreditavam que os sentimentos mais bonitos eram a coragem e o amor. Por isso, quem os tinha seria um bom rei. Darwin leu, também, muitos livros de amores bonitos. Seria capaz de realizar tal ato? E Zaphira? Havia a morte da Fada do Amor sido em vão? Era inevitável pensar em amor sem fazer o mesmo com sua Fada. Darwin fechou os olhos e, no escuro, viu o aspecto meigo da amiga reaparecer. Seus olhos brilhantes, sorriso que iluminaria até a breu torre lá embaixo.
Uma lágrima formou-se nos olhos de Darwin e, sem perceber, deixou que ela caísse. Como sentia saudades da amiga... Havia convivido com ela por tão pouco tempo, mas ela havia o ensinado tanto...
Enquanto subiam a íngreme serra, Zaphira havia contado uma história sobre o início da humanidade e o verdadeiro significado do amor.
No início, ela havia dito, não existiam homens nem mulheres. Existiam seres de duas cabeças, quatro pernas, quatro braços, mas apenas um coração, uma alma. O sangue era o mesmo, assim como o ar que respiravam. Estes seres eram muito felizes, mas os Deuses divertiam-se atirando raios nessas criaturas, separando-as. Desde então, a sina do ser humano é encontrar seu parceiro, aquele que tem a mesma alma, o mesmo coração. Aquele que voltará a dividir o ar e, algum dia, o mesmo sangue.
O cavaleiro não tinha prestado muita atenção ao conto, mas agora entendia... Olhando a cápsula que se livrava aos poucos dos espinhos que a envolviam, que a protegiam. Despia-se da armadura do anti-social, dos mitos, das mentiras.
Darwin ficou de pé. Alto, forte, os cabelos curtos, cor de areia, caídas sobre os olhos verde-água, como o mar. Seria possível? Sim, seria sim. Ah! Zaphira ficaria tão feliz, Nacademus provavelmente estava tão orgulhoso...
Deu dois passos e pôs-se a correr. O quarto se transformava em um comprido corredor, num túnel escuro. Mas nada disso importava, tinha a luz do olhar da princesa para lhe guiar, seus batimentos cardíacos aumentavam à medida que a adrenalina infiltrava em suas artérias. Correndo... Não pensava mais no Reino das Fadas. Bobagem! Nemo seria, certamente, um Rei melhor. Seria mais sábio, teria mais compaixão. Darwin nunca tinha pensado na tristeza de acordar todo dia sozinho, dia após dia, não ter ninguém para dividir as alegrias, para passar noites chuvosas abraçados no divã em frente à fogueira. Isso sim era ser feliz.
Como você estava errada, mãe.
Parou de correr, cessando em frente à cama de pedra. Puxou a cobertura para esquerda, livrando os membros superiores. A respiração acelerada, o coração à mil, pôs a sua mão sobre a delicada mão da princesa, com dedos compridos e finos, unhas bem cuidadas. Como a natureza era gentil com algumas pessoas, como ela conseguia manter, sem o menor esforço, algumas coisas tão belas; tal qual as rosas prateadas e a princesa Alka. Esta agora parecia apenas adormecida, não morta, como estava anteriormente, com sua pele macia e suave... O rapaz passou a mão pelos cabelos negros, macios e sedosos. Como ela conseguia ser tão incrivelmente perfeita...
Sorriu. Darwin abaixou-se e, um pouco nervoso, roçou seus lábios contra a boca da garota. Ela ainda estava fria. Beijou-a mais humanamente desta vez, soprando vida e calor para dentro do corpo à sua frente. Sentiu-se renascer ao toque.
Afastou um pouco o rosto para olhar profundamente nos olhos de seu amor. E surpreendeu-se olhando para dois grandes olhos de íris cor-de-rosa berrante. Por algum tempo, Darwin ficou paralisado, em transe, em favor desta tão bem vinda surpresa. Mas seria mesmo?
—Oizinho, Darwin!
Não era a voz profunda, suave, que era de se esperar de uma princesa. Era aguda demais para os lábios de veludo que a proferiam. Seria até desagradável se não fosse a coincidência...
—P-princesa Alka?!
—Darwin, me chame pelo nome.
Epílogo
Darwin não sabia, Nacademus nunca o havia ensinado que, se uma Fada gostasse realmente da pessoa de quem ajudasse, poderia transformar-se num humano e conviver com ela por mais tempo. Foi isso que Zaphira fez. Ela e Darwin se casaram e foram muito felizes juntos. Seu filho fora treinado por Nacademus, também, para competir o próximo trono.
É, você já adivinhou, mas vou dizer de novo: Nemo surpreendeu a todos (menos ao leitor) com suas habilidades e bravura e reinou por muitos anos até que a morte finalmente o levou.
Bom, esse é o capítulo final da minha epopéia. (viu, Leo, vc vai poder imprimi-lo agora. Quero saber o que achou depois.) Depois disso voltaremos aos posts pequenos.
Aliás, eu sei que tem umas incoerências externas absurdas, mas quando eu escrevi isso eu tinha só 14 anos e se eu corrigir agora, vai perder toda a graça.
CAPÍTULO 4
Rosas de Prata
Darwin sorriu, completamente realizado, seu ego mais inflado que nunca. Sabia que Nacademus, lá longe no Reino das Fadas (seu futuro reino), assistia orgulhoso pela sua bola de cristal. Olhou para a espada e para a armadura coberta de sangue e riu. Pensar que tinha realmente escapado da boca do Dragão...
Estava lá, à porta do quarto que obviamente continha a princesa. Tirou o elmo e os cabelos dos olhos. Respirou fundo, pôs a mão sobre a maçaneta, virou-a e abriu a porta.
Estranhamente, o quarto era incrivelmente limpo, todo arrumadinho e muito bonito. O quarto inteiro era de marfim: as paredes, o piso, o teto... E este cômodo possuía até uma janela. Uma janela média, de onde dava para enxergar o sol, ainda alto no céu.
Aquela claridade toda fez bem a Darwin, que estivera cerca de três horas no escuro. Seus olhos haviam ardido no vermelho e laranja do fogo, suas narinas e garganta queimaram com a fuligem. Mas aquela claridade, aquele branco, o sol no céu, aquela paz... Darwin andou em direção à janela. Olhou para fora e viu a Floresta de Iridis lá longe. Tão bonita, tudo tão verde visto daqui de cima... Mais perto, estava Black. O cavalo negro pastava tranqüilamente, exatamente como seu cavaleiro havia o deixado, algumas horas atrás. Logo, logo, porém, estaria cavalgando de volta para casa, para o Reino das Fadas, para ser coroado e... E...
Havia esquecido daquele tão simples detalhe, o motivo pelo qual estava lá, pelo qual este quarto estava tão decorado. Olhou para a parede que ainda não tinha observado e viu uma espécie de velório altamente sofisticado. Três degraus cresciam do solo e, no alto, jazia uma cama. Era mais uma cápsula de vidro, mas o importante é que lá estava a princesa. Ao todo seu redor haviam deslumbrantes rosas prateadas. Aquelas rosas não morriam, pareciam florescer ainda mais a cada dia que passava. Perdiam as pétalas, mas novas nasciam em seus lugares. Eram flores enigmáticas, certamente mágicas.
—Bonito, disse Darwin, aproximando-se da princesa.
Talvez o beijo não seria tão ruim. Havia lido em alguns livros de Nacademus que o beijo era “como uma rápida passagem pelo paraíso”, não só um ato de amor. Bom, Darwin abriu um sorriso maroto, se fosse assim, como os outros haviam descrito, não seria nada mal.
Chegou ainda mais perto, o coração batendo com ansiedade. Seria o último obstáculo até o trono, até a coroa, até o poder...
Esticou a mão, a fim de retirar o vidro cobrindo a princesa. Ela era realmente linda. Os cachos pretos emoldurando sua bela face, branca como a lua, os olhos fechados com longos cílios, sob sobrancelhas finas e bem feitas. O nariz arrebitado bem no centro do rosto, uma boca pequena, o lábio inferior mais carnudo que o superior, de um rosa pálido. Tinha um pescoço fino, o vestido do mesmo prateado das rosas era solto e deixava seus ombros à mostra. Todo o seu corpo a partir da cintura estava coberto por pétalas caídas. Mesmo com tamanha beleza, a princesa parecia distante, congelada de um modo muito bizarro, parecia morbidamente morta: um fantasma colorido.
Darwin recuou, puxando a mão, deslizando-a bruscamente sobre o vidro. Quando sua mão esquerda tocou uma das rosas laterais, sentiu uma imensa dor na palma. Fora tudo muito rápido, mas Darwin ainda sentia a perfuração do espinho rasgando sua pele, atravessando sua carne e abrindo sua armadura como se rasga uma folha de papel alumínio.
Ainda com a mão sobre a cápsula de vidro, o cavaleiro, gritando de dor, puxou o braço para trás, arrancando a rosa de seu buquê. Em seu lugar, nasceram outras três flores. Enfurecido, Darwin arrancou a planta amaldiçoada, sem cor e sem cheiro, de seu punho, separando-a, violentamente, do espinho grosso. Jogou a flor desgraçada no chão e ficou algum tempo olhando-a caída, o sangue borbulhando em desgosto.
Quando retornou sua atenção à mão ferida, viu que ela sangrava um pouco. Um rastro vermelho e fino de sangue novo ia do espinho até a ponta do dedo indicador, donde escorriam pequenas gotas que caíam ao chão manchando aquele mármore puro com uma pequena poça vermelha. O espinho cinza azulado como a manhã antes do sol, fincado bem no centro da palma recoberta de ferro, saindo por ambos os lados. Com a mão desocupada, tratou de retirar o “invasor” cuidadosamente, mergulhado em profunda comiseração.
Resolveu tirar a armadura das mãos para ver o estrago que o espinho fizera. Puxou a mesma da mão machucada como se fosse uma luva. Sim, presumiu Darwin com os lábios tremendo de ódio contra a flor maldita, o estrago havia sido grande. A palma estava completamente furada como se tivesse levado um tiro. O buraco tinha um diâmetro de mais ou menos um centímetro e o círculo que a formava parecia ter sido queimada ao seu lugar. Não sangrava muito. Até agora.
De repente, Darwin tornou-se uma nascente de um verdadeiro rio de sangue. Horror e fúria prevaleceram e o garoto correu até a porta, onde havia deixado sua espada, pegou-a com as duas mãos, foi em direção das flores e—
—AHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!
Com a garganta solta, livre, o humor pior que nunca, a mão sangrando muito tingindo a armadura, a espada, o chão... Cortava frenética e furiosamente contra as rosas: pétalas e espinhos voavam pelo cômodo, como penas numa guerra de travesseiros. Essa batalha continuou por vários minutos, até que todas as flores foram despedaçadas e jaziam caídas no solo parecendo uma estátua de pedra estatelada. Satisfeito, mas não se sentindo ainda vingado, jogou a espada ao chão com a mão boa, agora coberta pelo sangue que continuava saindo da outra. Ergueu a mesma, macabramente regando as rosas cortadas e mortas.
—Vinguei-me de vocês, flora infernal! São idênticas à princesa que guardam: bonitas por fora, mas detestáveis e pontudas por dentro! Tal qual a princesa que matou meu pai! – falou Darwin num tom alto e claro, ganhava coragem, orgulho, à medida que
falava.
Era ele quem mandava, aquele que tinha o poder no quarto. Aquelas rosas eram vegetais de pedra, a princesa estava tão morta quanto o dragão a muitos andares abaixo deles. Darwin dominava neste momento. Sua ferida já não doía mais, mas o sangue persistia em jorrar. Respirou fundo, não por medo, não por nervosismo, mas em um ato de soberania. E continuou:
—Sangro por vocês! Vocês não têm sangue em seus vasos de pedra, suas flores
prateadas do inferno! Rego-vos em um ato de misericórdia!
Sangue desaguava nas pétalas caídas e nos galhos nus da palma da mão erguida do cavaleiro, tingindo tudo de vermelho. Gotas salpicavam também sobre a cápsula da princesa, manchando-a aos pouquinhos.
As trevas finalmente baixaram do espírito de Darwin e sua ferida parou de jorrar, pingando só um pouco. Sentou-se ao chão, em um dos únicos cantos que não estavam sujos de seu próprio sangue, onde sua fúria não havia interrompido a paz do mármore. Tirou um lenço do interior da bota de ferro e amarrou-o em torno do machucado, esse ganhou umas gotas vermelhas no início. Darwin assistiu-as nascer e crescer com grande interesse e um pouco de dó por si mesmo. Mais calmo, despiu-se da luva de ferro da mão direita. Flexionou os dedos, todos os dez. Aquele ferro apertava e impedia-lhe do uso correto de suas mãos.
—Ai! – exclamou aliviado, massageando a mão boa com a ferida. Era tão bom tirar toda aquela tensão dentre os dedos.
Lembrou-se de uma vez ter recebido uma massagem nos ombros de uma garota. Havia sido gostoso. Darwin tinha 15 anos na época e a garota era uma camponesa bonitinha. O garoto lembrava-se de suas tranças cor de mel e de seus grandes olhos castanhos. Tinha mãos hábeis, dois anos a mais que Darwin e um papo ousado.
—A única coisa que faço em casa é costurar, cuidar dos animais e da casa – ela havia dito a Darwin enquanto massageava-o. E num tom mais provocante revelou o que realmente queria:
—Agora eu só preciso de um homem para me dar uma vida.
Mas ela havia se enganado ao procurar o cavaleiro. Este não queria garotas e (nessa ela havia se enganado mesmo) nunca dividiria o poder – a verdadeira vida, o significado e a essência da vida – com ninguém, muita menos com uma camponesinha qualquer.
Todavia gostaria que ela – como era mesmo seu nome? – estivesse aqui para massagear seus pés dolorosos. Tirou a bota de ferro do outro pé e esticou seus dedos, separando-os, depois os flexionou algumas vezes. Cruzando a perna sobre a outra, começou a massageá-la. Ainda fazendo isso, olhou para cima, encarando o quarto.
—Pelas barbas de Merlin!
Espantado, viu que o chão continuava repleto de sangue, mas as pétalas haviam sugado aquilo que o manchou, tal como os galhos da roseira. Esta estava crescendo numa velocidade fora do comum cobrindo a princesa por completo. Pelo que deu para Darwin ver, a cápsula também estava limpa. Com passos de mágica, as pétalas levitavam do chão, juntavam-se aos galhos e formavam novas rosas. A roseira nova era mais alta, mais grossa e tinha mais espinhos.
Darwin abaixou a cabeça. Entendera tudo. Teria sido fácil demais... Não podia lutar contra as rosas, contra os arbustos, contra os espinhos. Isto só faria com que crescessem mais... Havia um segredo. E Darwin sabia o que tinha que fazer. Teria que amar a princesa, amá-la de verdade, para poder chegar perto dela. As rosas a protegiam de alguém que a usaria, exatamente como Darwin planejava fazer.
Enterrou o rosto nas mãos. E agora? Ninguém ama por obrigação, isto não é amor.
Aos sete anos Darwin havia perguntado à sua mãe o que era amor. Nesta época ela ainda era apaixonada por seu marido, e este ainda era fiel, então respondera, enquanto cozinhava:
—Amor é sentir calor nas mãos e no rosto, frio na barriga, mas não sentir os pés no chão.
Aquilo era bonito, mas o garoto já afastava os sentimentos quando chegava à primeira etapa: calor nas mãos. Lembrava de ter sentido calor excessivo quando Virgínia – isso! Este era o nome da camponesa – falava com ele. Nacademus havia dito que ela não servia, que nada jamais seria sério com ela. E quem disse que Darwin queria algo sério? Ele queria era se divertir, depois largava a garota em qualquer canto. Ao pensar nisso, o cavaleiro tinha certeza de que novos espinhos cresciam no arbusto.
Apertou os olhos fechados. Por que o amor tinha de ser tão complicado? Na verdade não é, dissera o Mago Stein em visita a Nacademus, o amor é muito simples, nós é que a tornamos complexa. Darwin concordava com isso. Bastava arrancar o coração, expô-lo ao vento e esperar o primeiro bonitão tocá-lo. No caso de Nemo, era mais fácil ainda, bastava alguém olhar para ele que já entregaria o mundo a ela. Mas Darwin era diferente. Costumava se isolar e esconder-se emocionalmente. Era fechado.
Parcialmente por causa da mãe que, depois do incidente da princesa, chamava todo e qualquer apaixonado de tolo cego. Darwin também tinha medo de se machucar, assim como sua mãe havia sido machucada.
Na verdade, ele não tinha nada contra mulheres. Sempre apreciou as curvas e delicadeza das moças, raciocínio e visão de mundo diferentes dos homens. Até levaria a camponesa Virgínia para algum lugar distante para reiniciar sua vida com ela. O problema maior eram as princesas, como esta pirralha dentro da cápsula. Uma havia destruído sua família e a mãe de Darwin, que sempre fora alegre e amável, tornou-se fechada e triste, morrera de tristeza. Desde então, Darwin jurou que nunca se relacionaria com princesa alguma para vingar a morte e a solidão de sua mãe.
Haviam passado horas. A roseira prateada continuava a florescer à medida que Darwin detestava mais a princesa de pedra.
A luz da lua cheia, pendurada lá no céu negro estrelado, entrava pela janela, iluminando o quarto, tornando-o ainda mais morto e pedroso. Darwin deitava-se no chão, olhando para o teto, a cabeça apoiada nos braços dobrados, pensando.
Nacademus o estaria observando agora? Deixaria sua bola de cristal pela noite? Por esta noite? Teria ele, conhecendo Darwin como conhecia, perdido as esperanças de que ele algum dia viria a amar? Como será que o Mago, lá longe, em seu simples e pequeno chalé na periferia calma do Reino das Fadas, estaria?
Reino das Fadas... Tão perto e ao mesmo tempo tão longe... Estava a 3 metros e a dois anos e Darwin tinha a impressão de que a distância aumentaria à medida que o tempo passasse.
Darwin virou-se para olhar a lua. Viu nela o rosto da mãe: envelhecida em demasia para sua idade, os olhos eram a única coisa que pareciam vivos. Sua expressão era de dor. Como ela estaria orgulhosa do filho que não caíra nas garras do amor.
Mas seria todo amor maldito? Os Magos acreditavam que os sentimentos mais bonitos eram a coragem e o amor. Por isso, quem os tinha seria um bom rei. Darwin leu, também, muitos livros de amores bonitos. Seria capaz de realizar tal ato? E Zaphira? Havia a morte da Fada do Amor sido em vão? Era inevitável pensar em amor sem fazer o mesmo com sua Fada. Darwin fechou os olhos e, no escuro, viu o aspecto meigo da amiga reaparecer. Seus olhos brilhantes, sorriso que iluminaria até a breu torre lá embaixo.
Uma lágrima formou-se nos olhos de Darwin e, sem perceber, deixou que ela caísse. Como sentia saudades da amiga... Havia convivido com ela por tão pouco tempo, mas ela havia o ensinado tanto...
Enquanto subiam a íngreme serra, Zaphira havia contado uma história sobre o início da humanidade e o verdadeiro significado do amor.
No início, ela havia dito, não existiam homens nem mulheres. Existiam seres de duas cabeças, quatro pernas, quatro braços, mas apenas um coração, uma alma. O sangue era o mesmo, assim como o ar que respiravam. Estes seres eram muito felizes, mas os Deuses divertiam-se atirando raios nessas criaturas, separando-as. Desde então, a sina do ser humano é encontrar seu parceiro, aquele que tem a mesma alma, o mesmo coração. Aquele que voltará a dividir o ar e, algum dia, o mesmo sangue.
O cavaleiro não tinha prestado muita atenção ao conto, mas agora entendia... Olhando a cápsula que se livrava aos poucos dos espinhos que a envolviam, que a protegiam. Despia-se da armadura do anti-social, dos mitos, das mentiras.
Darwin ficou de pé. Alto, forte, os cabelos curtos, cor de areia, caídas sobre os olhos verde-água, como o mar. Seria possível? Sim, seria sim. Ah! Zaphira ficaria tão feliz, Nacademus provavelmente estava tão orgulhoso...
Deu dois passos e pôs-se a correr. O quarto se transformava em um comprido corredor, num túnel escuro. Mas nada disso importava, tinha a luz do olhar da princesa para lhe guiar, seus batimentos cardíacos aumentavam à medida que a adrenalina infiltrava em suas artérias. Correndo... Não pensava mais no Reino das Fadas. Bobagem! Nemo seria, certamente, um Rei melhor. Seria mais sábio, teria mais compaixão. Darwin nunca tinha pensado na tristeza de acordar todo dia sozinho, dia após dia, não ter ninguém para dividir as alegrias, para passar noites chuvosas abraçados no divã em frente à fogueira. Isso sim era ser feliz.
Como você estava errada, mãe.
Parou de correr, cessando em frente à cama de pedra. Puxou a cobertura para esquerda, livrando os membros superiores. A respiração acelerada, o coração à mil, pôs a sua mão sobre a delicada mão da princesa, com dedos compridos e finos, unhas bem cuidadas. Como a natureza era gentil com algumas pessoas, como ela conseguia manter, sem o menor esforço, algumas coisas tão belas; tal qual as rosas prateadas e a princesa Alka. Esta agora parecia apenas adormecida, não morta, como estava anteriormente, com sua pele macia e suave... O rapaz passou a mão pelos cabelos negros, macios e sedosos. Como ela conseguia ser tão incrivelmente perfeita...
Sorriu. Darwin abaixou-se e, um pouco nervoso, roçou seus lábios contra a boca da garota. Ela ainda estava fria. Beijou-a mais humanamente desta vez, soprando vida e calor para dentro do corpo à sua frente. Sentiu-se renascer ao toque.
Afastou um pouco o rosto para olhar profundamente nos olhos de seu amor. E surpreendeu-se olhando para dois grandes olhos de íris cor-de-rosa berrante. Por algum tempo, Darwin ficou paralisado, em transe, em favor desta tão bem vinda surpresa. Mas seria mesmo?
—Oizinho, Darwin!
Não era a voz profunda, suave, que era de se esperar de uma princesa. Era aguda demais para os lábios de veludo que a proferiam. Seria até desagradável se não fosse a coincidência...
—P-princesa Alka?!
—Darwin, me chame pelo nome.
Darwin não sabia, Nacademus nunca o havia ensinado que, se uma Fada gostasse realmente da pessoa de quem ajudasse, poderia transformar-se num humano e conviver com ela por mais tempo. Foi isso que Zaphira fez. Ela e Darwin se casaram e foram muito felizes juntos. Seu filho fora treinado por Nacademus, também, para competir o próximo trono.
É, você já adivinhou, mas vou dizer de novo: Nemo surpreendeu a todos (menos ao leitor) com suas habilidades e bravura e reinou por muitos anos até que a morte finalmente o levou.
3.6.07
Preguiça de ler, gente? É isso??
Rosas de Prata
CAPÍTULO 3
Duelo com o Dragão
O sol nascia radiante, enquanto nossos heróis subiam o morro para definirem de uma vez por todas seus destinos incertos. Uma risca de luz cobria vagamente as montanhas mais altas, aquelas do fim do mundo que parecem nunca acabar. O horizonte era um palco iluminado para a grande estrela laranja florescente que aparecia aos poucos para dominar o dia, aquecendo e trazendo vida às criaturas que haviam ficado imóveis durante a noite.
À medida que Darwin subia, o sol parecia fazer o mesmo movimento, movendo-se na mesma lenta velocidade, naquele fantasioso nado sincronizado pela vida. Tudo começou a aquecer-se. Pareciam estar andando em direção ao sol. Ou era apenas o suor da exaustão? Pouco importava.
Agora estavam em um chão nivelado com a Torre da Escuridão, que estava mais monstruosa que nunca. Não. Não era o sol, a exaustão, o suor. Era a fumaça vinda do Dragão que proporcionava tal calor aos seus mais novos visitantes.
Darwin respirou fundo, engasgando com a fumaça, mesmo vinda de tão longe. Apertou fortemente as rédeas e liderou Black em direção à Torre. Deram alguns passos, mas o cavaleiro parou o animal de repente ao perceber que não mais ouvia o bater das asas próximo à sua orelha. Olhou para trás. A fada era quase invisível à luz do dia, mas dava para perceber o leve contorno cor-de-rosa à distância.
O garoto chamou-a com um movimento de sua mão coberta por aço. O pequeno movimento negativo da cabeça de Zaphira era perceptível demais, já que estava totalmente imóvel, sem contar pelo movimento das asas que a mantinha flutuando. O cavaleiro nunca recebia um não como resposta, e esta não seria a primeira vez. Desceu do cavalo e andou até ela rapidamente e fez a pergunta, como se fosse um desafio à morte:
—Por quê?
—Porque você deve prosseguir sem minha presença. Eu já lhe acompanhei por tempo suficiente e já lhe despertei tudo o que tinha a despertar. Por isso, jovem Darwin, deve ir e salvar a princesa sozinho. Temo que tenho que ficar aqui, não posso ir contigo.
A fada pousou sobre o ombro do cavaleiro e inclinou-se para frente (naquela pose que só as fadas sabem sustentar), beijando sua face coberta de metal. Voou para frente do rosto de seu companheiro, dando-lhe um último sorriso e um aceno de adeus. Com estes últimos atos, o campo energético ao redor da fada inflou até chegar ao tamanho de um prato grande. Duas fendas de luz cor-de-rosa brotaram da parte superior e inferior do globo, abriram como um leque e, numa explosão de luz muito florescente, cegou Darwin, que gritou.
Entretanto, o mesmo não gritou porque tudo ao seu redor tinha escurecido em relação e por efeito da explosão, mas porque Darwin sabia o que aquilo havia significado. O Mago Nacademus tinha ensinado ao seu aprendiz que, quando o trabalho de uma fada terminava, ela explodia de prazer de ver seu trabalho feito. Por isso, podia-se dizer que as fadas sempre morriam felizes, já que não se podia matar uma fada. Nunca, nada consegue afetar a enorme energia sempre positiva das fadas.
Zaphira poderia ter explodido de felicidade, contudo o coração de Darwin parecia pesar uma tonelada, mesmo com o enorme vácuo que começava a se formar. Andou até o cavalo, deu um tapinha no seu pescoço, suspirando, e falou:
—Acho que estou totalmente só nessa, não é mesmo? Cavalos morrem de medo de fogo... E isto inclui você, Black. Acho que não vou demorar muito, então, se eu não voltar daqui a cinco dias, volte para o Reino, volte para Nacademus e vá conhecer seu novo cavaleiro.
O animal expirou fortemente. Darwin deu novo tapinha em seu pescoço, olhando fixamente à Torre da Escuridão. Afastou-se de Black, enquanto este começava a pastar pela grama rala, e foi em direção à sua meta.
O sol estava alto durante o meio-dia, e o calor e a fome tomaram conta de Darwin, mas esta não era hora de pensar com o estômago. Estava em frente à nebulosa Torre da Escuridão. Por algum motivo, sozinho e de tão perto, a Torre parecia bem maior e muito mais tétrica. Tirou a espada da bolsa em seu cinto e, respirando fundo, quebrou facilmente o trinco de ferro desgastada daquela imensa porta de madeira descascada e queimada.
Com o primeiro passo para o interior da Torre, nosso jovem herói já percebeu que o tão esperado resgate à princesa não seria nada fácil. Estava muito escuro, porque a Torre não possuía janelas, e a única luz que havia era aquela do fogo do Dragão, expelidos pelos roncos sonolentos vindos da próxima cela à direita do corredor. Este fogo iluminava mal o interior da Torre (talvez daí seu nome), contudo mostrava bem os destroços de outros cavaleiros, aqueles que vieram antes de Darwin, pelo mesmo motivo, jogados por todo lugar. Alguns com os esqueletos totalmente destorcidos, outros simplesmente haviam morrido de queimadura, pois suas carcassas estendiam-se perfeitamente atrás de armaduras enferrujadas, outros ossos enlaçados entre alumínio que um dia fora derretido.
Darwin olhou para cima. Com certeza a princesa estaria no quarto mais alto e mais longe. A escadaria única de pedra que crescia circularmente do chão até o mais alto ponto da torre era o único meio para chegar até a princesa. Andou até o primeiro degrau. Estes eram altos e espessos. Darwin subiu alguns degraus cautelosamente, sem fazer ruído. Enquanto caminhava lentamente, olhou para o monstro mostrado com o brilho de suas próprias chamas. O Dragão era enorme. Coberto por uma couraça negra, possuía um corpanzil com o abdômen gordo, de onde saía aquela cauda grossa como uma jibóia depois de engolir um boi, com espinhos grossos e pontudos que eram ramos de seus ossos interiores e cortavam a própria carne da besta. Das costas saíam asas, não como as delicadas asas de Zaphira, mas como horrorosas e imensas asas de morcegos. Pernas e braços curtos, todavia musculosos, com dedos cujas unhas pontudas eram de amedrontar o mais valente guerreiro. Sua cabeça era horrível: parecia o fuço de um cavalo cujas narinas, orelhas e dentes caninos haviam crescidos em demasia. As chamas expelidas por aquelas narinas terrivelmente imensas iluminavam horrivelmente a cara daquela criatura das trevas. Havia mais fumaça e fuligem aqui do que em qualquer outro lugar da Torre.
O coração apertado e a cabeça doendo com a fumaça, Darwin continuou a andar, espiando o bicho de longe, rezando para que o Dragão não percebesse sua presença. Mas era impossível que ele não percebesse. Dragões tinham os cinco sentidos muito bons. O cheiro de carne fresca e o ruído de metal na pedra eram de acordá-lo – sem contar, alegrá-lo. E, proferido o pensamento, o dragão inspirou, roncando com tal grandeza que Darwin, distraído, errou o passo, escorregou e rolou vários degraus abaixo, fazendo uma barulheira de perturbar um surdo. E perturbou a fera, que não era nada surda.
A criatura abriu os olhos amarelos, uma mistura entre olhos de gato e de cobra. Logo avistou o garoto estatelado aos pés da escada. Darwin estremeceu. Sentia ainda mais calor no pescoço. Ao assistir ao dragão erguer-se (primeiro o corpo, depois a cabeça, rosnando de um jeito que suas narinas expelissem fumaça), o cavaleiro ergueu-se também e pôs-se a correr escada acima, a fim de ficar nivelado à garganta da fera. Parando, tirou a espada novamente e (por alguma razão desconhecida, mas certamente idiota) começou a fazer movimentos ameaçadores, balançando a arma pesada a sua frente, de um lado para o outro.
Se estava tentando hipnotizar o dragão ou não, nada funcionou, mesmo que a fera continuasse olhando fixamente ao seu alvo. Seus olhos brilhavam maliciosamente. Certamente estava com fome. Havia 50 anos que não aparecia nada vivo por lá e dragões não se alimentam de fumaça, você sabe. Lambeu seus beiços de couro escamado com aquela língua cor de sangue, a ponta bifurcada como a de uma cobra. Fixou seu olhar em sua presa. Para Darwin, aquele pequeno intervalo de tempo parecia demorar muito mais do que realmente existia no mundo.
Desfocou o olhar, abriu a boca exibindo uma fileira de dentes semelhantes aos espinhos de sua calda. Do fundo de sua garganta saiu um fogaréu em direção a Darwin, que fugiu, correndo alguns degraus acima, sentindo o calor desconfortável misturado ao bafo fedorento do dragão. A besta tomou fôlego outra vez e metralhou contra aquele bichinho que subia deseperadamente, o grande escudo pulando em suas costas como se estivesse num touro mecânico.
Darwin tropeçou nos próprios pés e estava agora de quatro, os membros superiores num degrau, os inferiores na de baixo. De alguma maneira extraordinária e sobrenaturalmente azarada conseguiu prender o pé esquerdo num buraco entre os degraus. Quanto mais esforço fazia para sair daquela posição infeliz, mais preso parecia ficar.
Dragões não comem fumaça, como já disse, mas bebem desespero e o sangue em suas artérias corre por causa do sofrimento alheio. Por isso, a criatura logo sentiu o odor do ódio e seguiu até lá. Seus olhos brilharam ao verem Darwin se contorcendo e, assim, sua boca encheu-se de saliva, que escorregou do beiço e pingou na escada, criando uma poça gosmenta perto de Darwin. O dragão inclinou-se para frente, abocanhando o inseto.
Tudo escureceu.
Por algum tempo Darwin pensou que estivesse morto e tinha ido ao inferno. Respirava com dificuldade o ar quente e fedido daquele lugar escuro e percebeu que o coração batia com severidade. Concluiu então que ainda estava vivo. Tomando consciência de sua posição percebeu que estava pendurado no ar pelo pescoço. Então lembrou de onde estava: jazia dentro da boca do Dragão, o escudo, que se prendia por um cinto de couro ao redor do pescoço, preso entre dois dentes afiados e amarelados. A armadura do pé provavelmente estava ainda presa no buraco, já que agora seu pé estava nu e, felizmente, ainda no fim da perna.
Darwin agradeceu ao Criador por ter dado aos dragões um vácuo tão grande dentro da boca e jurou montar uma banda Gospel assim que saísse de lá. Ei! Não! Quando saísse de lá seria Rei do grandioso Reino das Fadas. Com seu plano já arquitetado, a espada firme em sua mão direita, quase engasgando até a morte, o desejo por poder como sua única ponte de volta para a vida. Pôs a mão esquerda também na espada, agora voltada para cima, e, num gesto rápido, afundou a lâmina no céu-da-boca da fera, onde (esperava Darwin) era o cérebro. Veio uma vibração do fundo da garganta da besta, sacudindo um Darwin pendurado pela espada e pelo escudo: um grito de dor. Darwin puxou a espada de volta para si deixando uma nascente de um rio de sangue, cortou o cinto do escudo e pulou pela boca aberta da estridente criatura. Fora levado com a correnteza de sangue até o chão, de onde assistiu a besta espernear e sangrar por algum tempo. Quando se deu conta de que o dragão ia cair, Darwin subiu alguns degraus e viu, finalmente, a queda do grande dragão da Torre da Escuridão de camarote.
CAPÍTULO 3
Duelo com o Dragão
O sol nascia radiante, enquanto nossos heróis subiam o morro para definirem de uma vez por todas seus destinos incertos. Uma risca de luz cobria vagamente as montanhas mais altas, aquelas do fim do mundo que parecem nunca acabar. O horizonte era um palco iluminado para a grande estrela laranja florescente que aparecia aos poucos para dominar o dia, aquecendo e trazendo vida às criaturas que haviam ficado imóveis durante a noite.
À medida que Darwin subia, o sol parecia fazer o mesmo movimento, movendo-se na mesma lenta velocidade, naquele fantasioso nado sincronizado pela vida. Tudo começou a aquecer-se. Pareciam estar andando em direção ao sol. Ou era apenas o suor da exaustão? Pouco importava.
Agora estavam em um chão nivelado com a Torre da Escuridão, que estava mais monstruosa que nunca. Não. Não era o sol, a exaustão, o suor. Era a fumaça vinda do Dragão que proporcionava tal calor aos seus mais novos visitantes.
Darwin respirou fundo, engasgando com a fumaça, mesmo vinda de tão longe. Apertou fortemente as rédeas e liderou Black em direção à Torre. Deram alguns passos, mas o cavaleiro parou o animal de repente ao perceber que não mais ouvia o bater das asas próximo à sua orelha. Olhou para trás. A fada era quase invisível à luz do dia, mas dava para perceber o leve contorno cor-de-rosa à distância.
O garoto chamou-a com um movimento de sua mão coberta por aço. O pequeno movimento negativo da cabeça de Zaphira era perceptível demais, já que estava totalmente imóvel, sem contar pelo movimento das asas que a mantinha flutuando. O cavaleiro nunca recebia um não como resposta, e esta não seria a primeira vez. Desceu do cavalo e andou até ela rapidamente e fez a pergunta, como se fosse um desafio à morte:
—Por quê?
—Porque você deve prosseguir sem minha presença. Eu já lhe acompanhei por tempo suficiente e já lhe despertei tudo o que tinha a despertar. Por isso, jovem Darwin, deve ir e salvar a princesa sozinho. Temo que tenho que ficar aqui, não posso ir contigo.
A fada pousou sobre o ombro do cavaleiro e inclinou-se para frente (naquela pose que só as fadas sabem sustentar), beijando sua face coberta de metal. Voou para frente do rosto de seu companheiro, dando-lhe um último sorriso e um aceno de adeus. Com estes últimos atos, o campo energético ao redor da fada inflou até chegar ao tamanho de um prato grande. Duas fendas de luz cor-de-rosa brotaram da parte superior e inferior do globo, abriram como um leque e, numa explosão de luz muito florescente, cegou Darwin, que gritou.
Entretanto, o mesmo não gritou porque tudo ao seu redor tinha escurecido em relação e por efeito da explosão, mas porque Darwin sabia o que aquilo havia significado. O Mago Nacademus tinha ensinado ao seu aprendiz que, quando o trabalho de uma fada terminava, ela explodia de prazer de ver seu trabalho feito. Por isso, podia-se dizer que as fadas sempre morriam felizes, já que não se podia matar uma fada. Nunca, nada consegue afetar a enorme energia sempre positiva das fadas.
Zaphira poderia ter explodido de felicidade, contudo o coração de Darwin parecia pesar uma tonelada, mesmo com o enorme vácuo que começava a se formar. Andou até o cavalo, deu um tapinha no seu pescoço, suspirando, e falou:
—Acho que estou totalmente só nessa, não é mesmo? Cavalos morrem de medo de fogo... E isto inclui você, Black. Acho que não vou demorar muito, então, se eu não voltar daqui a cinco dias, volte para o Reino, volte para Nacademus e vá conhecer seu novo cavaleiro.
O animal expirou fortemente. Darwin deu novo tapinha em seu pescoço, olhando fixamente à Torre da Escuridão. Afastou-se de Black, enquanto este começava a pastar pela grama rala, e foi em direção à sua meta.
O sol estava alto durante o meio-dia, e o calor e a fome tomaram conta de Darwin, mas esta não era hora de pensar com o estômago. Estava em frente à nebulosa Torre da Escuridão. Por algum motivo, sozinho e de tão perto, a Torre parecia bem maior e muito mais tétrica. Tirou a espada da bolsa em seu cinto e, respirando fundo, quebrou facilmente o trinco de ferro desgastada daquela imensa porta de madeira descascada e queimada.
Com o primeiro passo para o interior da Torre, nosso jovem herói já percebeu que o tão esperado resgate à princesa não seria nada fácil. Estava muito escuro, porque a Torre não possuía janelas, e a única luz que havia era aquela do fogo do Dragão, expelidos pelos roncos sonolentos vindos da próxima cela à direita do corredor. Este fogo iluminava mal o interior da Torre (talvez daí seu nome), contudo mostrava bem os destroços de outros cavaleiros, aqueles que vieram antes de Darwin, pelo mesmo motivo, jogados por todo lugar. Alguns com os esqueletos totalmente destorcidos, outros simplesmente haviam morrido de queimadura, pois suas carcassas estendiam-se perfeitamente atrás de armaduras enferrujadas, outros ossos enlaçados entre alumínio que um dia fora derretido.
Darwin olhou para cima. Com certeza a princesa estaria no quarto mais alto e mais longe. A escadaria única de pedra que crescia circularmente do chão até o mais alto ponto da torre era o único meio para chegar até a princesa. Andou até o primeiro degrau. Estes eram altos e espessos. Darwin subiu alguns degraus cautelosamente, sem fazer ruído. Enquanto caminhava lentamente, olhou para o monstro mostrado com o brilho de suas próprias chamas. O Dragão era enorme. Coberto por uma couraça negra, possuía um corpanzil com o abdômen gordo, de onde saía aquela cauda grossa como uma jibóia depois de engolir um boi, com espinhos grossos e pontudos que eram ramos de seus ossos interiores e cortavam a própria carne da besta. Das costas saíam asas, não como as delicadas asas de Zaphira, mas como horrorosas e imensas asas de morcegos. Pernas e braços curtos, todavia musculosos, com dedos cujas unhas pontudas eram de amedrontar o mais valente guerreiro. Sua cabeça era horrível: parecia o fuço de um cavalo cujas narinas, orelhas e dentes caninos haviam crescidos em demasia. As chamas expelidas por aquelas narinas terrivelmente imensas iluminavam horrivelmente a cara daquela criatura das trevas. Havia mais fumaça e fuligem aqui do que em qualquer outro lugar da Torre.
O coração apertado e a cabeça doendo com a fumaça, Darwin continuou a andar, espiando o bicho de longe, rezando para que o Dragão não percebesse sua presença. Mas era impossível que ele não percebesse. Dragões tinham os cinco sentidos muito bons. O cheiro de carne fresca e o ruído de metal na pedra eram de acordá-lo – sem contar, alegrá-lo. E, proferido o pensamento, o dragão inspirou, roncando com tal grandeza que Darwin, distraído, errou o passo, escorregou e rolou vários degraus abaixo, fazendo uma barulheira de perturbar um surdo. E perturbou a fera, que não era nada surda.
A criatura abriu os olhos amarelos, uma mistura entre olhos de gato e de cobra. Logo avistou o garoto estatelado aos pés da escada. Darwin estremeceu. Sentia ainda mais calor no pescoço. Ao assistir ao dragão erguer-se (primeiro o corpo, depois a cabeça, rosnando de um jeito que suas narinas expelissem fumaça), o cavaleiro ergueu-se também e pôs-se a correr escada acima, a fim de ficar nivelado à garganta da fera. Parando, tirou a espada novamente e (por alguma razão desconhecida, mas certamente idiota) começou a fazer movimentos ameaçadores, balançando a arma pesada a sua frente, de um lado para o outro.
Se estava tentando hipnotizar o dragão ou não, nada funcionou, mesmo que a fera continuasse olhando fixamente ao seu alvo. Seus olhos brilhavam maliciosamente. Certamente estava com fome. Havia 50 anos que não aparecia nada vivo por lá e dragões não se alimentam de fumaça, você sabe. Lambeu seus beiços de couro escamado com aquela língua cor de sangue, a ponta bifurcada como a de uma cobra. Fixou seu olhar em sua presa. Para Darwin, aquele pequeno intervalo de tempo parecia demorar muito mais do que realmente existia no mundo.
Desfocou o olhar, abriu a boca exibindo uma fileira de dentes semelhantes aos espinhos de sua calda. Do fundo de sua garganta saiu um fogaréu em direção a Darwin, que fugiu, correndo alguns degraus acima, sentindo o calor desconfortável misturado ao bafo fedorento do dragão. A besta tomou fôlego outra vez e metralhou contra aquele bichinho que subia deseperadamente, o grande escudo pulando em suas costas como se estivesse num touro mecânico.
Darwin tropeçou nos próprios pés e estava agora de quatro, os membros superiores num degrau, os inferiores na de baixo. De alguma maneira extraordinária e sobrenaturalmente azarada conseguiu prender o pé esquerdo num buraco entre os degraus. Quanto mais esforço fazia para sair daquela posição infeliz, mais preso parecia ficar.
Dragões não comem fumaça, como já disse, mas bebem desespero e o sangue em suas artérias corre por causa do sofrimento alheio. Por isso, a criatura logo sentiu o odor do ódio e seguiu até lá. Seus olhos brilharam ao verem Darwin se contorcendo e, assim, sua boca encheu-se de saliva, que escorregou do beiço e pingou na escada, criando uma poça gosmenta perto de Darwin. O dragão inclinou-se para frente, abocanhando o inseto.
Tudo escureceu.
Por algum tempo Darwin pensou que estivesse morto e tinha ido ao inferno. Respirava com dificuldade o ar quente e fedido daquele lugar escuro e percebeu que o coração batia com severidade. Concluiu então que ainda estava vivo. Tomando consciência de sua posição percebeu que estava pendurado no ar pelo pescoço. Então lembrou de onde estava: jazia dentro da boca do Dragão, o escudo, que se prendia por um cinto de couro ao redor do pescoço, preso entre dois dentes afiados e amarelados. A armadura do pé provavelmente estava ainda presa no buraco, já que agora seu pé estava nu e, felizmente, ainda no fim da perna.
Darwin agradeceu ao Criador por ter dado aos dragões um vácuo tão grande dentro da boca e jurou montar uma banda Gospel assim que saísse de lá. Ei! Não! Quando saísse de lá seria Rei do grandioso Reino das Fadas. Com seu plano já arquitetado, a espada firme em sua mão direita, quase engasgando até a morte, o desejo por poder como sua única ponte de volta para a vida. Pôs a mão esquerda também na espada, agora voltada para cima, e, num gesto rápido, afundou a lâmina no céu-da-boca da fera, onde (esperava Darwin) era o cérebro. Veio uma vibração do fundo da garganta da besta, sacudindo um Darwin pendurado pela espada e pelo escudo: um grito de dor. Darwin puxou a espada de volta para si deixando uma nascente de um rio de sangue, cortou o cinto do escudo e pulou pela boca aberta da estridente criatura. Fora levado com a correnteza de sangue até o chão, de onde assistiu a besta espernear e sangrar por algum tempo. Quando se deu conta de que o dragão ia cair, Darwin subiu alguns degraus e viu, finalmente, a queda do grande dragão da Torre da Escuridão de camarote.
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