Tá na moda falar que é benloka, né? Parece uma coisa ótima. Exaltar os próprios desequilíbrios emocionais. Falar da terapia e de todas as drogas que toma pra tentar se manter em paz (eu mesma passei dos estabilizadores emocionais pro álcool pras coisas que a terra dá). Tenho depressão, ansiedade, TOC, transtorno bipolar, mas, principalmente, sofro de machismo. Meu deus, como o feminismo me salvou. Odeio todos os homens, uns merdas, mas, meu deus, como preciso de uma piroca. Bloqueio e desbloqueio o mesmo macho catorze vezes por semana porque um vibrador só não dá conta de mim, meus desejos e minhas ansiedades.
Relaxa, véi, homem nem é tudo isso. Homem nem tem direito onde pegar. O que eu mais gosto são as amigas hétero, casadas, loucas pra justificar porque adoram piroca. Faz até desconfiar.
Mas o feminismo. O feminismo me salvou também, sabia? Eu tive um namorado super abusivo (todas tivemos) e o que me fez me sentir menos lixo foi o feminismo. E isso foi depois de um ano. Depois de eu sentir vergonha e culpa por sentir falta de piroca e de massagem nos pés. Depois de eu achar que tinha sido a pior namorada do mundo. E aí eu entendi que não era minha culpa. Era dos homens. Do patriarcado. Eles não deixam a gente ter nada. Nos subjugam, nós, mulheres maravilhosas, donas do mundo. E, mesmo com o feminismo, mesmo com toda a minha lacração feminazi, eu ainda me sentia vazia e precisava - precisava - que alguma piroca me dissesse o quanto eu era valiosa.
E aí eu quis riscar carro do ex parado no estacionamento da universidade, corri atrás de foda meia-boca de pau pequeno por um ano e meio, escolhi nome dos filhos de gente que vi uma vez na vida antes de checar se tinha namorada, mandei 923757 mensagens não-respondidas pra macho do tinder com quem tinha saído uma vez, escrevi um livro inteiro sobre ex babaca usando nome real dele e da família, achei subterfúgio pra brigar com gente que namorava porque não quis largar a atual pra ficar comigo, chorei e chorei e chorei porque não achava ninguém que quisesse ficar comigo. E tentei me mudar pro que o pretendente da vez achasse melhor. Deve ser o peso, deve ser o cabelo, deve ser o nariz, devem ser minhas roupas ou as drogas ou meu posicionamento político. E, sempre, toda vez, um depois do outro, era o machismo. Homens de merda, não sobra um. Querem me rotular, querem uma boneca inflável, dizem que sou louca.
Mas talvez. Só talvez. Um talvez bem pequenininho. Talvez o problema fosse eu. Talvez a insegurança vaze tanto que preencha todos os cantos menos a mim mesma. Um buraco tão fundo que nenhuma piroca jamais vai conseguir tapar. Talvez. Talvez eu seja louca mesmo. Talvez a depressão e a ansiedade, o TOC e os transtornos de personalidade todos estejam vindo à tona. Talvez querer riscar o carro do ex e ligar trocentas vezes esteja a só um pulo de botar fogo na casa do ex ou de entrar atirando em um cinema. Talvez. Talvez antes de culpar o machismo fosse melhor olhar esse buraco fundo dentro de mim. Talvez fosse melhor perdoar meus pais que só souberam me criar assim e parar de repetir os mesmos erros. Talvez fosse melhor me perdoar por todas as vezes que quis queimar a sociedade inteira.
Talvez antes de culpar todo mundo que veio antes de mim e que virá depois de mim, talvez fosse melhor olhar pra dentro e ver que porra eu posso fazer pra me amar primeiro.