Comecei a ler um estudo antropológico sobre o metal extremo underground no Brasil. E mais: é uma dissertação de mestrado pela UFRJ. Não, eu não estou brincando. É verdade. Vocês não têm noção das coisas que se acha na biblioteca de teses da Unicamp, por exemplo.
Enfim. Black metal. O livro cita muitos exemplos de pessoas que vivem pelo metal extremo e transformam a música e a cultura underground em suas vidas. Eles todos têm empregos considerados baixos ou moram com os pais. Ganham o suficiente para pagar as contas e gastam tudo que ganham pra gravar CDs de suas bandas ou continuar escrevendo seus zines. Eles falam orgulhosamente de como não fazem aquilo para ganhar dinheiro, aliás, desprezam o lucro. Movem-se e gravam seus discos e fazem seus shows pelo simples amor ao mundo underground, pelo que sentem pela música.
E eu achei tudo isso muito engraçado. O modo como falam, como se a música pesada fosse assim tão importante. Afinal, há contas para pagar, há lugares distantes do mundo para conhecer, há comidas diferentes para comer, há, Deus!, eletrônicos e livors e sapatos novos para consumir.
Eu vou me formar em Julho. Eu ia me formar em Dezembro, mas fiquei com medo do mercado de trabalho. Eu não tinha um estágio e não queria ficar desempregada. Trabalhar é bom, não é mesmo? A gente faz alguma coisa com o nosso tempo, se sente útil, move o mercado e a sociedade. Mas o que eu sei fazer? O que eu sei fazer melhor que as outras pessoas, que se traduza no meu currículo - que já tem 2 páginas de bobagens universitárias - e que me pague o suficiente para eu poder viajar pra um lugar legal no final do ano? Tudo que eu gostaria de fazer paga extremamente mal. E o que paga bem é incrivelmente tedioso.
Uma vez um amigo meu que deve ser a pessoa mais inteligente que eu conheço me disse que não devemos fugir do mercado, que o mercado é uma coisa boa. Ele é hacker, vegetariano e tem um filho para criar. Meu pai me disse uma vez que se tornar um milionário é muito fácil. É só você poupar o suficiente e que poupar não é tão difícil assim. Antes de ter filhos grandes ele e minha mãe juntaram dinheiro suficiente para construir a nossa casa. Quer dizer, é tudo uma questão de escolhas.
E meus pais sempre disseram para eu ser feliz. Uma vez eu contei para uma amiga que minha mãe era médica e meu pai, engenheiro. E ela me perguntou como no mundo eles me deixaram fazer midialogia. Eu respondi que eles sempre me deram liberdade. E canetinhas e papel e lápis e os livros que eu quisesse.
Sempre me espelhei na minha mãe. Não porque ela ganha muito bem, mas porque ela trabalha de segunda a segunda e continua amando o que faz. Porque ela tem quase 60 anos, estaciona na vaga de idosos e não pensa em se aposentar tão cedo.
E enquanto isso eu vejo a lista de empregos e freelas disponíveis e não quero fazer nenhum deles.
E eu lembro dos black metaleiros em suas lojas de discos e suas distribuidoras underground, trabalhando simplesmente pela música. E a vozinha dentro de mim sussurra baixinho.
...Talvez eles estejam certos.