o inferno tinha ar condicionado. disso ele já sabia, desde sempre. daquele ar excessivamente gelado e úmido em salas fechadas de dias frios e úmidos, que conserva as gotículas de chuva e - pior - suor depois de ter andado para chegar até lá. além disso, o terno era exatamente da expessura certa para sentir um pouco de frio. daquele que sobe pela coluna, pelos pêlos dos braços, congela os pés.
sentado de terno, sentindo o frio o espetar como agulhas, ocupava-se de seu serviço eterno: catalogar. carros e pessoas e livros e filmes e eletrodomésticos e material escolar e alimentos e roupas e calçados e acessórios esportivos e ônibus e todas as coisas do mundo.
dia após dia, catalogava, sentindo um frio fraco e incômodo, sentado na mesma posição, para todo o sempre. era triste perceber que a vida após a morte era exatamente como a morte em vida.
e morrer de nada adiantaria.