31.10.08

A História de um Allstar

Eu não sou a pessoa mais consumista do mundo. Eu não costumo comprar uma bolsa se eu já tenho uma daquele mesmo tamanho que funciona bem. Eu geralmente me sinto sufocada com presentes e, sendo chatíssima com eles, normalmente fico triste pensando no espaço que a coisa que não vou usar iria ocupar. Não compro por impulso e me sinto culpada quando faço isso, com raríssimas exceções. Todas as minhas compras são premeditadas. Premeditadas quer dizer que eu penso na coisa durante muito tempo. Muito tempo mesmo. Um intervalo de 3 meses até uns cinco anos. Estou ensaiando comprar um coturno há uns 5 anos e, uma cinta-liga, desde criança.

Comprei meu Allstar aos 15 anos, depois de pensar muito. Todo mundo legal tinha um. Eu queria também, achava bonito e alguém só pode ser considerado uma pessoa depois de comprar um Allstar. Ganhei da tia. Fui com ela comprar. É preto, cano alto, com costuras vermelhas. Vinha com cadarço branco, comprei um vermelho pra ficar melhor. O cadarço vermelho era pequeno demais, mas servia. Está nele até hoje.

Antes dele eu só tive algus tênis legais. Quando eu era criança eu tive um de velcro da Jasmin, do Alladin. Durou pouco, até meu pé crescer e ele ficar apertado. Todos os meus tênis de criança sofriam desse mal. Eu nunca tive um tênis de luzinha. Sempre quis, mas não tive porque estava na moda na época que meu pai estava desempregado. Fora o tênis da Jasmin, meus tênis sempre foram brancos e sem graça. E sempre foram baratos. O Allstar foi meu primeiro tênis legal, com "personalidade".

Ele está durando uns bons quatro anos. O tecido do lado de dentro cedeu rápido, cerca de um ano depois, na época que eu ainda revesava com outros sapatos. No terceiro colegial, passei a usar só ele. Aí começou a detonar. Foram riscados enquanto eu esperava abrir a sala pra fazer vestibular ano passado. E, enfim, furou. Furaram os dois pés, no tornozelo, perto da sola. Deixa água entrar. Molha minhas meias. Um inferno. Eu culpava o tecido fino do tênis antes de perceber que realmente haviam buracos enormes neles.

De uns dois anos pra cá minha mãe tá falando pra eu comprar um tênis novo. Mas eu não quero. Eu gosto do meu Allstar preto, cano alto, com cadarços vermelhos pequenos demais. Gosto dos furos, dos (poucos) rabiscos. Gosto de quão sujo ele está. Da cor da terra da rua aqui de casa. Eu cuidei tão bem dele, nem parece que uso há quatro, cinco anos.

Mas, é, molha minhas meias. Comecei a olhar modelos novos. Quero um xadrês agora.

Mas é lógico que nunca abandonarei meu primeiro Allstar preto, cano alto, com cadarços vermelhos pequenos demais.
a pior coisa do mundo são, sem dúvida nenhuma, meias molhadas.

26.10.08

gostava de aplausos. era adorável enquanto conseguia os aplausos. quando os aplausos cessavam e viam a tona seus defeitos, as mãos eram afastadas. as mãos, os olhos, as bocas... as almas.

20.10.08

Estudar numa universidade pública tem mil e um problemas. Estudar num curso de arte tem mais problemas ainda. Estudar num curso de tecnologia e arte é o fim do mundo. Eu faço UNICAMP, que, como as pessoas deveriam saber, prioriza pesquisas científicas. Isso faz com que as faculdades de exatas, biológicas e a economia ganhem muito dinheiro em detrimento das áreas mais humanas e, principalmente, da arte. A pedagogia eu não sei. Mas pedagogia é um curso inútil. Eu gosto de professores, mas não de pedagogos. Principalmente pedagogos que nunca deram aulas.

Enfim, o meu departamento (multimeios) não tem recursos. Então alguns dos nossos professores são ruins (e não podemos contratar outros), nosso prédio é ruim (e a burocracia não deixa que construamos outro) e a infra-estrutura é péssima. E, lógico, não temos dinheiro pra comprar coisas novas nem pra concertar as que quebram, porque, vocês sabem, câmeras, fresnéis e coisas assim são muito caras. Ninguém mandou eu querer estudar de graça numa boa universidade de presígio.

Enfim, como nada funciona direito eu comecei a pensar em alternativas. Tenho várias.

1) Vou vender meu fígado e ir estudar na FAAP.
A FAAP é uma excelente faculdade, cheeeeia de câmeras e coisas novinhas pra gente usar e quebrar. Aposto que até grua (aquele motorzão que gira câmeras - coisa de róliúdi) tem. Enfim, depois de dividir o meu plano com mais pessoas, me disseram que eu vou precisar de uma plantação de fígados pra cobrir o preço até eu me formar, já que um fígado cobriria apenas duas singelas mensalidades. Quem se habilita a vender seu fígado pra formar uma cineasta?

2) Vou me tornar uma dançarina erótica e estudar nos EUA.
Essa eu roubei da novela América. Eu sou muito ruim, mano. Mas onde seria melhor do que no cerne da insútria cultural e cinematográfica? Passada a crise econômica mundial vigente, posso palnejar melhor minha viagem. E preciso aprender a dançar eroticamente. E perder uns 10 quilos.

3) Vou contrabandear havaianas e estudar em Sorbone.
O Godard estudou em Sorbone. Eu nunca vi um filme dele, mas as pessoas cults adoram ele. E a Europa é legal. Contrabandear havaianas deve ser um negócio bem lucrativo, cobriria as passagens, a estadia e a faculdade. Se não der pra estudar, eu posso virar contrabandista profissional. Afinal, ainda estarei na Europa.

4) Vou ficar famosa fazendo filmes em Cybershots.
Quem precisa de uma Panasonic quando se tem uma Sony Cybershot 7mp com zoom automático?

5) Vou comprar minha própria câmera e largar a faculdade.
Parar de gastar dinheiro em condução, almoços no bandejão e em milhares de xerox que eu nunca leio. Juntar essa grana e fazer algo útil com ela. Aposto que mais da metade dos cineastas por aí nunca estudaram cinema.

15.10.08

Cruz, Morte e Dor



Tinha medo da cruz. Ela o perseguia em todas as suas formas. Cruzes egípcias, católicas, celtas, de malta. Estavam em todos os lugares. Simplesmente apareciam. Não sabia o significado de muitas delas, mas davam a impressão de morte. Elas em geral remetiam a homens de braços abertos. Normalmente braços abertos são receptivos e calorosos. Mas as cruzes-homens-palito eram raquíticos e metiam medo. Ser abraçado por um esqueleto, afinal, não deve ser uma experiência das mais agradáveis.

Esqueletos eram gelados. Poderia pensar em milhões de características para esqueletos. Brancos, magros, calcários, básicos. Mas eram gelados. Principalmente gelados. O frio dava medo. Já havia se acostumado com frio e gosmento – como a lama, as algas, possivelmente o fogo era gosmento. Mas o frio duro era intrigante. Pedras, senão expostas ao sol, são frias e duras. E sem vida. O frio e duro remetia à falta de vida. E isso assustava. A falta de vida.

A morte era um conceito que o fascinava. Fazia listas e listas das maneiras mais fáceis, mais absurdas, mais indolores, mais glamourosas, mais ridículas, mais dolorosas de morrer. Chegou à conclusão de que queria morrer atingido por um machado na vértebra que o fazia morrer instantaneamente sem dor alguma – como faziam os judeus ortodoxos com suas vacas e cabras de abate. Morrer dormindo já ficou sem graça. Todo mundo quer morrer dormindo.

A morte em si não era um problema. Depois de morrer, tudo estaria acabado. Seria inútil pensar em tudo que poderia ter feito e vivido e realizado. Na pessoa que poderia ter sido.

Seu problema era a dor.

Nunca lidara bem com a dor. Nunca. Não gostava de formigas, abelhas ou vespas porque suas picadas doíam. Não gostava de se esforçar demais – correr demais, até mesmo escrever demais – porque doía. Gostava de pensar. Porque pensar não doía. Não sempre.

O problema da morte é que, quase certamente, a morte doeria. E não seria nem um pouco gratificante que a última coisa que se sentisse fosse algo tão desagradável quanto a dor. O próprio susto e o desespero de morrer já causavam dor. Mesmo que não fosse dor física.

Ele sabia que haviam pessoas que gostavam de sentir dor. Fazia-as sentirem-se vivas, sentirem que estavam sentindo alguma coisa. Mas não. A dor é essencialmente ruim. Incomoda. Não deixa trabalhar direito. Isso fazia com que pensasse que as pessoas que gostavam de sentir dor não eram muito ocupadas.

A dor remetia à morte. A morte remetia à cruz. Tinha medo da cruz, portanto, porque a dor não possui nenhum símbolo universal.

12.10.08

rubis are a girls best friend



Fomos comprar presente pra tia. Não era qualquer tia. Era a tia que praticamente nos criou, sempre dá presentes e nos leva pra passear em lugares legais. E dá abrigo sempre que fico em São Paulo. Então não dava pra ser qualquer coisa. Quisemos dar uma jóia. Um anel de pedra grande, que sabíamos que ela gostava.

Fomos no Iguatemi, que é chique e a gente não costuma freqüentar. O problema é que jóias geralmente não têm pedras, elas são todas de ouro/prata e brilhantinhos. Pelo menos os que valem a pena são (embora eu mesma prefira pedras). Tudo no shopping ou era caro demais ou tinha cara de barato. E, você sabem, o importante não é não ser barato, é não parecer barato - a velha lógica do capitalismo.

Então eu vi a H Stern e resolvemos entrar. Estávamos ambas de cabelo sujo, camiseta, jeans rasgado, blusa de frio de lãzinha e sem maquiagem. Eu estava de Allstar furado e minha irmã de chinelo. Era óbvio que éramos universitárias sem dinheiro algum. Apesar disso, a atendente nos tratou super bem.

Contamos nossa história. Dissemos que queríamos um anel de pedra vermelha. Tinha rubi. Ela nos mandou esperarmos sentadas enquanto ia procurar. Antes de entrarmos, eu dei uma olhada nos preços da vitrine. Um anel de brilahntes custava R$ 5.000 (CINCO MIL reais). Sentadas na mesinha enquanto a moça ia buscar, eu contei que só conseguiríamos comprar alguma coisa lá se vendêssemos nossa mãe. Ela disse pra eu ficar tranqüila, vermos o que a moça ia mostrar e depois dizer que íamos continuar procurando.

A lojista apeceu com três anéis de rubi maravilhosos. Grandes, vermelhos, perfeitos. A que mais gostamos tinha a pedra redondinha e era cheio de brilhantes no arco de ouro. Eu experimentei (meus dedos são mais grossos que os da minha irmã e minha tia tem dedos mais gordinhos que os meus, então eu era a cobaia) e me apaixonei. Minha mão ressecada e meus dedos sem esmalte, com as unhas de tamanhos diferentes e cutículas comidas ficaram lindos com aquele anel. Eu não queria tirar nunca mais. Olhei o preço. R$ 4.400. Voltei à realidade. Pedi pra vermos outros modelos, com pedras maiores e design mais simples. Minha irmã não resistiu e vestiu também.

A moça voltou com outros. O preço mais acessível era dois mil. Dissemos que íamos pensar porque estávamos dividindo o presente com a família. Ela dizia que dava pra fazer em dez vezes no cheque, que dividindo entre várias pessoas ficava um preço bom. Ela realmente queria vender. Ela realmente pensava que conseguiria vender pra duas universitárias sem dinheiro algum.

Saímos da loja com peso no coração. Olhamos outras lojas, mudamos de shopping. Nos convencemos de que aquele anel não combinava com minha tia. Voltamos à loja de jóias onde costumamos presentear outras tias, que vendia mais pedras, tinha mais a ver e tudo - absolutamente TUDO - é bonito. De vermelho eles só tinham rubi.

Traumatizadas, pedimos a pedra azul da vitrine. Era turquesa com rachadinhos cor de cobre. Levamos um anel e um par de brincos lindos perfeitos, a cara da tia. Além disso, o conjunto todo ficava mais em conta que uma parcela do outro anel. Dado o presente, no dia seguinte, ela adorou. Só não vestiu o anel na festa porque não combinava com a blusa e a pulseira também ganhada no dia.

Fiquei feliz com a compra. Mas aquele anel de rubi estará pra sempre no meu coração, como a peça mais cara que já vesti em toda a minha vida.

9.10.08

então a festa foi cancelada por alvará da justiça. tadinhos dos organizadores. eles realmente precisavam do dinheiro. e tínhamos divulgado tanto...

já que já tínhamos saído de casa, resolvemos ir pro bar. era meia-noite, de quarta-feira. bar lotado (as outras pessoas que saíram da festa devem ter ido pra lá também). pedimos uma cerveja e três copos, enquanto esperávamos o outro menino que se uniria a nós em breve. brindamos ao motivo da festa cancelada. quando pedimos a segunda cerveja - agora éramos quatro -, veio-nos a notícia ruim: acabou a bebida. e ainda era meia-noite.

resolvemos ir pro outro bar, atravessando a rua. encontrei uns amigos que iam na república onde sempre tem festa. pensei em ir. meus companheiros não quiseram ir, então desisti da idéia. encontramos outra menina no outro lado da rua. ela disse que tinha um bar onde a cerveja era mais barata que o lugar onde nós íamos, que ainda estava aberto. resolvemos ir pra lá.

o lugar era longe, o caminho cheio de subidas, a rua cheia de carros de playboyzinhos que gostam de xingar pedestres. nós éramos pedestres. perdi todo o meu fôlego subindo a avenida, quando finalmente chegamos ao barzinho, ele já estava fechado. era uma da manhã de uma quarta-feira. os meninos perguntaram se eu não queria ir na rep das festas com meus outros amigos. eu disse que não, não sabia onde era. voltamos pra casa, derrotados, nesta cidade onde nada funciona além da uma hora da manhã¹.

ninguém estava realmente a fim de festa. em geral só queríamos contribuir para a causa da minha amiga.

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¹argumentará você, com razão, que era uma quarta-feira. então eu lhe responderei - não com ar de quem sofre com isso, mas como alguém que ouve as histórias e reclamações dos outros - que isso se repete em todos os dias da semana, incluindo quinta, sexta e sábado.

4.10.08

é uma euforia misturada com uma ansiedade por fazer as coisas que eu sempre deixo só na minha cabeça.