CAPÍTULO 2
Fadas
Semana que vem chegou, finalmente, pela felicidade de todos os jovens cavaleiros, menos Nemo (aquele vagabundo de bom coração, aprendiz do Mago Arquimedes), e seus respectivos mestres. Cada cavaleiro tinha uma dama em apuros para salvar (é, havia várias damas em apuros e seus respectivos dragões), portanto, não se encontrariam no meio do caminho.
—Tenha uma boa jornada, Darwin! E faça-me orgulhoso!
—Eu o farei, Mestre!
Darwin, de armadura, sobre seu cavalo preto, acenava um adeus orgulhoso e ambicioso para o Mago Nacademus. Iniciou sua jornada, a caminho do sol poente.
Deixou o Reino das Fadas num galope rápido. O céu estava laranja e vermelho, as flores soltavam um odor adocicado pelo ar morno, os pássaros cantavam num último suspiro de dia, mas enquanto penetrava pela Floresta de Íridis, tudo escurecia. O cheiro era de terra e o chão estava molhado e coberto de folhas úmidas. O início da jornada foi até prazerosa, todavia a tal da Torre estava muito longe ainda e demoraria alguns dias para chegar até lá.
Passando algumas horas, Darwin começou a sentir-se cansado daquilo. Por que a Torre tinha de ser tão longe? Apostava que a do pobre e indefeso Nemo estava a quilômetros mais perto do ponto de partida, aquele queridinho do Mago Arquimedes sempre se dava bem...
Mas não desta vez! Agora era diferente: sua vida dependia disso. Imagine a humilhação de voltar para casa e perder a coroa para alguém como Nemo? Ah! Seria demais. Mas isso era um sonho a realizar. Sim, um sonho... Era o desfecho perfeito para seu esforço suado, o “e viveram felizes para sempre” de um conto de fadas. Fadas... Sim, como estas criaturinhas de Deus sobrevoando as flores...
Agora ele entendia o porquê de seu futuro reino ter aquele nome. Darwin nunca havia antes percebido, mas as flores estavam sendo iluminadas por estranhas luzes que variavam de tons de verde, amarelo e cor-de-rosa berrantes. Talvez fosse porque estava tão exausto, ou porque elas realmente se sobressaltavam no escuro, esta foi a primeira vez que Darwin viu fadas – e tantas delas juntas. Eram centenas de luzinhas (que não podiam ser vaga-lumes) voando sobre as flores exóticas e entre as árvores da floresta.
—Fadas...
—Sim! Fadinhas! – disse uma vozinha aguda de perto de sua orelha. Com uma batida forte de suas asas, a fada revelou-se em frente ao rosto do cavaleiro.
Esta era uma fada cor-de-rosa. Era uma moça minúscula, seus cabelos lisos e vermelhos batendo na altura da cinturinha, olhos redondos de íris rosada, nariz arrebitado e boca em forma de coração. Vestia um traje curtíssimo branco. Possuía um par de asas de borboletas, simétricas e perfeitas que saíam de suas costas. A luz era uma espécie de brilho bizarro que formava um estranho campo energético circular em volta do corpo delicado da fadinha.
Darwin, mesmo atrás do elmo, não conseguiu esconder o espanto. Manteve-se quieto em surpresa. Evitando um silêncio constrangedor e desnecessário entre os dois, a fada começou a falar, com sua voz aguda:
—Bom, eu sou Zaphira, caso você queira saber. Vim aqui porque seu tutor, o Mago Nacademus, mandou-me vir checar seu comportamento.
Com aquelas palavras, Darwin voltou à realidade. Checar seu comportamento?
—Eu não preciso de ninguém cuidando do meu comportamento, ouviu, fadinha?
—Ah! São todos iguais, corajosos quando chega a fadinha, mas todos perdem a cabeça quando vêem o Dragão. Viram churrasco, todos eles, viram churrasquinho! Você sabe, não é, cavaleiro? Que foram muitos os outros aprendizes que foram atrás da Princesa Alka, mas nem unzinho conseguiu sair de lá com vida.
—E como é que um exame de etiqueta vai me ajudar a passar pelo Dragão? Com certeza não terei de dizer: “por favor, seu Dragão, posso passar para salvar a princesa?”.
—Não era bem isso que euzinha quis dizer...
—Ahah, essa foi a primeira vez que você usou o diminutivo no lugar certo! – gozou Darwin. Talvez irritando a fada, ela iria embora.
Mas pareceu não dar certo, ao contrário, Zaphira parecia ler seus pensamentos:
—Eu não vou me irritar com você, sabe? Nós, fadas, não nos irritamos facilmente e, admita, você estava clamando por companhia.
—O Black é ótima companhia.
—O cavalinho? Sabe, eu o sigo desde sua casa sem que você percebesse e não o vi conversar com seu animal nem uma vezinha.
Darwin começou a irritar-se com aquela voz aguda que não parava de falar. Puxou as rédeas do cavalo Black e continuou a subir a trilha, tendo cuidado em dizer:
—Vamos, Black, aventura nos espera!
Atrás dele, o sorriso da fada não morria. Na verdade, seu sorriso só se alargava.
As fadas classificavam-se em três cores, Nacademus havia ensinado a Darwin. Cada cor significava uma bênção: a verde era para a saúde, a amarela para fortura e a cor-de-rosa para o amor. As fadas iam atrás de pessoas que necessitavam de suas bênçãos e, irradiando sua energia, transmitiam aquilo que poderia melhorar a vida do perseguido.
Darwin continuava cavalgando, agora mais vagarosamente, até a Torre. Começava a se preocupar, a noite já estava escura, ainda mais naquela densa floresta, onde a luz da lua nunca penetraria. As Fadas, felizmente, já haviam sumido faziam algumas horas. Levariam ainda quantos dias? Seria melhor acampar? Não, tinha que continuar andando.
Mas o que acharia no final da trilha? Uma torre alta mal-assombrada por um dragão enorme e feio expirando fogo pelas grossas narinas? E a princesa? Como havia ela de ser? Certamente bela, com seus longos cabelos que refletiriam a luz do sol, olhos puxados, cheios de mistério, lábios carnudos que expeliriam vida com seus beijos, mão delicadas, unhas compridas e sempre bem arrumadas... Sim, seria bela. É pré-requisito para qualquer princesa ser bela. Bela, dona da verdade e chata.
Cavalgava agora mais rapidamente, devido às árvores que se separavam aos poucos, dando espaço para a luz da lua penetrar. A noite estava estrelada e a lua cheia iluminava bem tudo ao seu redor. Nosso herói estava galopando agora na pradaria coberta apenas de grama e outras vegetações rasteiras, seus olhos pregados na torre que avistou assim que deixara a floresta.
Reconheceu sua meta imediatamente como a Torre da Escuridão. Já havia visto gravuras em livros e ouvido histórias de parentes de cavaleiros que morreram tentando matar aquele maldito Dragão, mas Darwin nunca imaginou que a Torre seria tão imensamente sombria. Era altíssima e tinha um diâmetro de dar inveja às outras torrinhas. Mas seu tamanho não era o pior: havia nuvens de fumaça ao seu redor (sem dúvida nenhuma, expelidos pelo monstro que habitava lá) dando um ar sinistro e medonho em demasia. Nada parecia estar vivo atrás daquelas grossas paredes de pedra.
Galopou ainda mais rapidamente, não vendo nada a seu redor, apenas a Torre da Escuridão que se aproximava cada vez mais e mais. À medida que cavalgava, suas batidas cardíacas aceleravam e a pressão em suas artérias aumentava. Ambição, sede e desejo por poder eram as únicas coisas que dirigiam aquele cavaleiro, com as rédeas apertadas firmemente entre seus dedos.
O tiling-tiling da armadura, somada ao som das patadas do cavalo contra o chão era música aos ouvidos de Darwin. Galope, galope, galope... A subida parecia-lhe não muito íngreme, não desta distância...
Então um barulho novo se juntou à melodia da glória. E não era um som agradável: era o som do bater de um par de asas, depressa como o pulsar do coração, próximo à orelha do cavaleiro. Este espiou a luminosa criatura cor-de-rosa com o rabo do olho, atrás da venda do elmo e bateu as rédeas fazendo com que o cavalo acelerasse ainda mais para tentar perder a fadinha.
“Pare, Darwin, você não sabe o que pode enfrentar na Torre da Escuridão”. Darwin ouviu a voz aguda e irritante dentro de sua mente. Puxou as rédeas com excessiva força, fazendo com que o animal se erguesse nas patas traseiras e, relinchando de dor, derrubasse seu cavaleiro no chão.
Mas a dor do impacto não fora tanto quanto a dor da humilhação que sentiu ao ver a fada sobrevoando sua cabeça com um largo sorriso de indiscutível vitória.
—Está bem, fadinha, vai me alertar novamente do Dragão? – perguntou o cavaleiro, desistindo e até um pouco curioso.
—Não – respondeu – E me chame pelo nome, não gosto de ser tratada como bichinho – completou.
—Então é sobre o quê, Zaphira?
—Sobre a princesinha.
Darwin rolou no chão até ficar de barriga para baixo em desdém e falou com desgosto:
—O que tem de tão importante nessa princesa?
—É o prêmio –
—Prêmio?! – cortou Darwin sentando-se de olhos arregalados.
—Que você não quer. Agora me diga: por que você odeia tanto princesas?
—Porque elas são chatas e bobas.
Darwin havia dito isso da boca para fora, só para não parecer que não tinha o que responder. Na verdade, a razão era algo maior, bem maior, que a fada nunca entenderia... Mas ela parecia entender, seus olhos estavam cheios de pena e, num modo maternal, falou carinhosamente:
—Eu não quero entrar na sua mente de novo, Darwin, pode falar para a Zaphira, ela é acostumada a ouvir. Ela vem cheia de amor, ela é amor.
Amor... Amor não era importante. Amor havia acabado com sua família...
—Amor não interessa!
—Tenho certeza de que você também ama - continuou Zaphira, no seu tom maternal –, mas não sabe o significado desta palavrinha. Amor pode ser de mãe para filho, de amigos e de apaixonados. Você teme este último, não é? Por que você o teme?
—Não te interessa...
Aquela fada enxerida não o humilharia novamente...
—Você pediu, Darwin...
A cabeça de Darwin poderia ter explodido de dor naquele momento e foi cegado por luz cor-de-rosa.
Poucos segundos mais tarde encontrou-se de volta àquele corredor de marfim frio sem fim do enorme palácio do Reino das Fadas.
Estava olhando para um homem alto, forte, de barba e cabelos médios, vestido com roupas de um simples camponês e com uma expressão indiferente. Este era o pai de Darwin, que, pelo que o mesmo se lembrava, havia tido um pequeno caso com a rainha do Reino das Fadas. O rei havia descoberto e mandado ambos para a guilhotina e hoje, especificamente, o pai de Darwin estava sendo levado, junto à rainha, para seu triste destino.
Enquanto andavam lado a lado, os amantes, em direção à porta, a rainha cochichou:
—Mas morreremos em nome do amor...
Darwin, de oito anos, não fora levado para longe da guilhotina naquele dia. Sua mãe, angustiada, acabou por deixar escapar para ele e seus seis irmãos:
—Quero que vejam quem realmente é o pai de vocês, e aprendam a não fazer igual. Eu fui tola por me apaixonar...
Darwin assistiu à mãe jogar legumes no marido e sua amante junto com o resto do povo. Naquele dia o Reino das Fadas não fora feliz. Naquele dia, enquanto o casal estava preso à guilhotina, o sangue fora derramado e Darwin viu a cabeça de seu pai rolar no Reino das Fadas, onde as Fadas do Amor não conseguiram suportar o ódio e tiveram que partir.
Com uma dor de cabeça ainda maior que a primeira, Darwin voltou à realidade, sentado no chão naquele meio do nada, cabisbaixo e triste. Ele não viu, mas Zaphira também estava triste.
—E é por isso que eu também odeio você. Fadas do amor, princesas e amor por si só. É tudo uma memória terrível que não quero reviver – explicou Darwin, aquele caroço em sua garganta parecia não querer sair fazendo com que engasgasse para falar.
—E tem todo o direito de odiar. Mas estas são águas passadas. E temos que pôr um fim nisso. Este ódio tem que morrer. É por isso que estou aqui.
E ela se sentou sobre o joelho dobrado de Darwin, agora com um sorriso triste. Darwin levantou o rosto e sorriu também. A magia da fada havia começado a funcionar. Darwin levantou-se, espantando a fada. Dirigindo-se a ela, falou, num tom amigo e determinado:
—Vamos, Zaphira. Temos um Reino em jogo.
Montou o cavalo e os três começaram a subir a perigosa serra.