20.8.14

Literatura de mulherzinha

Eu conto histórias desde criança. Lembro com muita clareza que desenhava umas sereias tortas presas a máquinas de choque que estraíam a verdade delas. Sempre assisti desenho animado demais. Meus legos e meus playmobils e minhas barbies tinham as melhores histórias. Escalavam montanhas e descobriam outros mundos, fazendo coisas incríveis. Enchi um caderno de 500 páginas com uma aspirante a Britney Spears, era bem ruim, mas fui eu que fiz. Depois veio o Harry Potter e o Senhor dos Anéis e comecei a escrever fantasia. Meus protagonistas de aventura, desde criança, quase sempre eram meninos, assim como nas histórias que eu lia, que eu via na TV e nos filmes. Mulher é meio chato, né?, melhor escrever sobre menino, que não tem essas frescuras de ficar apaixonado e quebrar a unha no meio do caminho.

Na época eu tinha a Rowling, a Mary Shelly e a Louise May Alcott. Eram poucas, mas estavam lá. Eram bem menos que a torre de escritores masculinos que recomendavam na escola e em todos os lugares. Leio bem poucas autoras femininas, provavelmente por causa de preconceitos instituídos há muito tempo, de que mulher só escreve "coisa de mulherzinha" e eu, obviamente, não era uma mulherzinha.

Parei de escrever na faculdade. Por medo das pessoas lerem o que eu lia, por me sentir incrivelmente inadequada porque ainda escrevia terror e fantasia no meio dos hipster e de histórias tão mais importantes e porque alguém me disse que eu deveria tentar mudar, parar de escrever fantasia, essas coisas de criança. E eu não conseguia. Porque eu não gostava de escrever outras coisas, porque estava entrando em depressão, mas também porque não tinha lá muitas referências. A Rowling, por mais incrível que seja, não pode lutar contra todas as batalhas e todos os dementadores sozinha.

Eu lembro de ter prometido para mim mesma que não escreveria no blog sobre coisas de menina para não espantar meus poucos leitores meninos, mas eu não sei, na verdade, o que são "coisas de menina". Talvez fosse cosméticos, cabelo e acessórios ou talvez fosse... relacionamentos? É isso mesmo, né? Relacionamento é "coisa de menina". Eu prometi para mim uma vez que nunca escreveria sobre meus poucos relacionamentos fracassados para não ficar parecendo a Tati Bernardi. Mas é engraçado que quando o Chico Buarque ou mesmo o Xico Sá (*cospe no chão*) falam sobre isso, é lindo e poético, mas quando uma mulher fala, bom, é só coisa de mulherzinha histérica que não tem mais com o que se preocupar, passando de um namorado para outro, amando a todos com a mesma intensidade desenfreada. Eu nunca quis ser dessas mulheres. Eu queria ser um homem, que não ama ninguém, apenas a ele mesmo e que tem todas as licenças poéticas do mundo para escrever sobre sentimentos como se fosse um outsider, como o Tim Burton.

Mas, bem, eu sou uma mulher e escrevo porque preciso. E achei recentemente esse tumblr incrível que mostra que eu - e todas as outras meninas que querem escrever - não estamos sozinhas e que ainda há esperança pra gente. E que vamos conquistar o que é nosso e que não precisamos imitar os meninos para fazer isso.

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Recentemente voltei a ler um monte de blogs de meninas que acho geniais e estou tentando acompanhar mais mulheres que fazem coisas legais, mas é bem mais difícil, por algum motivo - ou porque demanda mais tempo - encontrar mulheres escritoras. Se tiverem indicações de coisas bem legais, estou aceitando :)

2 comentários:

Jaqueline disse...

Achei teu blog lindo!

Thay disse...

Acho que isso é uma coisa que a sociedade em geral faz com a gente, meninas: parece que o que fazemos nunca é tão bom ou adequado quanto aquilo que um menino faz. Tem uma história que diz a Jo Rowling preferiu utilizar suas iniciais abreviadas justamente para que não a identificassem como uma mulher escrevendo literatura fantástica cujo protagonista é um garoto. E veja só aonde ela chegou, uma das mulheres mais ricas do Reino Unido e, é claro, escritora. Podemos ser aquilo que quisermos, independente de sermos meninas ou meninos, basta ter a força de vontade para chegar lá. Um beijo!